Resumão Rock In Rio: Dia do Metal

 

 

E aí, como foi o primeiro dia do Rock In Rio? Daremos início à nossa cobertura no site – no perfil do Instagram, nossa enviada especial, Amanda Respício, está fazendo postagens nos stories o tempo todo, além de abrilhantar nosso texto com essas fotos maravilhosas, captadas por sua lente, direto da Cidade do Rock. Amanda correu para todos os lados – o lugar é enorme – em busca do melhor click e da melhor luz. Deu certo, como vocês podem confirmar. Enquanto isso, eu, velho de guerra, fiz o que pude com as informações divulgadas pela transmissora oficial do evento, Globo/Multishow e quem conhece a cobertura dela, sabe bem que é preciso desconsiderar boa parte do que é dito, sob pena de reproduzirmos um discurso muito próximo de um institucional do Rock In Rio. Aqui está o que pensamos.

 

O famigerado Dia do Metal foi conquistado por bandas pouco óbvias e isso é o melhor possível. Não foi o triunfo de Iron Maiden e Dream Theater, tampouco a confirmação absoluta do Bullet For My Valentine, a melhor dessas mencionadas aqui. O dia foi de gente lutadora como Ratos de Porão, Gangrena Gasosa, Devotos do Ódio, Black Pantera e de gringos com algo interessante a ser mostrado, como Gojira e Living Colour. Os shows dessa gente responderam pelo maior número de gente prestando atenção, pelos sopros de inventividade, irreverência e relevância que um dia de rock pesado tem e deve ter. E essa gente foi responsável por mensagens oportunas contra opressão, racismo, injustiça e executou o grande hit do dia – “Ei, bolsonaro, vai tomar no cu”, cantado em vários momentos do festival. Longe de incentivar esta ou aquela postura, rock é isso, ainda que seja num parque de diversões temático, com ingresso caríssimo. Mas, enfim…

 

Black Pantera deu início aos trabalhos no Palco Sunset. Formado por Charles Gama, Chaene da Gama e Rodrigo “Pancho” Augusto, os mineiros de Uberaba desfilaram seu repertório agressivo e cheio de mensagens antirracismo, com direito a “Padrão é o Caralho”, “Godzilla”, “Taca o Foda-se” e uma versão pesadona de “A Carne”, famosa na interpretação de Elza Soares. Os pernambucanos Devotos do Ódio participaram da apresentação e debutaram no Rock In Rio.

 

 

O Palco Sunset só teria outra apresentação relevante quando o Living Colour adentrou o espaço, com sua mistura de rock pesadão, funk e malabarismos guitarrísticos – a cargo do grande Vernon Reid – e vocais, cortesia de Corey Glover, ainda em forma. Quando executa seus hits – “Type” e “Cult Of Personality” – o LC é imbatível. Além disso, o quarteto novaiorquino fez menção à memória de Marielle Franco e incentivou o voto. Quando o guitarrista Steve Vai subiu ao palco, o público já estava completamente fascinado com a performance do grupo. Vieram então covers bem mandadas, de “Rock’n’Roll” (Led Zeppelin) e “Crosstown Traffic” (Jimi Hendrix), que manteve a temperatura no alto.

 

 

Enquanto isso, no Palco Mundo, o Sepultura e a Orquestra Sinfônica Brasileira deixavam o espaço após uma mal engendrara mistura de metal e música sinfônica. Sabemos que os dois estilos combinam em vários pontos e já vimos gravações e apresentações que confirmaram isso, porém, com os mineiros e a orquestra, no Palco Mundo, não rolou. Quando o show parecia pegar ritmo, por exemplo, após a execução de um cavalo de batalha como “Roots, Bloody Roots”, vinha uma longa parte instrumental, que esfriava o público. Além disso, parece sempre que o Rock In Rio tem um débito com algum espetáculo envolvendo música sinfônica e eu nem consigo me lembrar de ao menos um que tenha sido interessante.

 

Logo depois, o público precisou optar entre três shows quase simultâneos. O Gojira, grupo francês de metal, talvez um dos melhores da atualidade, abria sua apresentação no Palco Mundo justo na hora em que Ratos de Porão, com seus 41 anos de carreira, detonava o Palco Supernova e, como se não bastasse, o saravá metal do Gangrena Gasosa consumia o Espaço Favela. Cada um a seu jeito, estes três grupos ofereciam altas doses de performances que valiam a pena. O Gojira, turbinado por seu recente álbum “Fortitude”, pisou fundo no seu metal complexo e cheio de camadas. Um arraso total, especialmente em canções como “Amazonia” e na clássica “Stranded”, com o guitarrista e vocalista Joe Duplantier arrebentando suas cordas vocais e do instrumento.

 

 

O Ratos de Porão é patrimônio histórico-musical do Brasil e sua presença no Rock In Rio é justiça sendo feita, ainda que tardia. Com João Gordo politizado e agudo, o grupo executou canções de seu último álbum, o ótimo “Necropolítica”, com direito a bandeira do MST no palco e vários momentos de coros contra o atual governo. E, além deles, ainda havia o Gangrena Gasosa, outro patrimônio do rock carioca, criador e tutor do “saravá metal”, destruindo o Espaço Favela, que antes, já contara com a ótima apresentação das meninas do Crypta, lideradas pela ótima Fernanda Lira. Com o vocalista Angelo vestido de Zé Pelintra e os outros integrantes do grupo devidamente paramentados como entidades, o Gangrena deu ao público o espetáculo pirotécnico e exótico que o caracterizou, com destaque para a sensacional “Se Deus é 10, Satanás é 666”.

 

O Palco Sunset seu último show do dia na presença dos galeses do Bullet For My Valentine, banda muito querida por aqui e que matou a vontade do público de vê-la, uma vez que sua presença na edição de 2013 era certa e um cancelamento de última hora os impediu de vir. Com um repertório de canções como “Tears Don’t Fall” e “Your Betrayal”, o Bullet ainda executou várias faixas de seu último álbum, homônimo, lançado em 2021. O show foi vigoroso, barulhento, mas, talvez pudesse ser melhor.

 

 

As duas últimas bandas do dia eram as mais esperadas pelo grande público do festival. Iron Maiden e Dream Theater. Os ingleses, decanos em Rock In Rio, apresentaram três canções de seu último – e ótimo – álbum, “Senjutsu”, com direito a cenário japonês, Bruce Dickinson com coque samurai e Eddie vestido como soldado nipônico medieval. As canções foram bem recebidas pelo público, que estava ali, no entanto, para ver os velhos clássicos. Dito e feito. Após uma mudança no palco, com direito a novo cenário, o Iron Maiden voltou e começou a lançar mão de seu vasto repertório, porém, com uma inequívoca impressão de cansaço, especialmente por parte de Bruce Dickinson, um frontman dos mais respeitáveis, diga-se de passagem.

 

O público não notou isso e cantou, chorou e fechou os olhinhos com “Fear Of The Dark”, “Iron Maiden”, “Flight Of Icarus” e, especialmente, “The Trooper” (tocada uma centelha abaixo em termos de velocidade) e “Aces High”. No fim, malandrão que é, Bruce pediu para todos se cuidarem e manterem-se vivos, pois “ano que vem nos veremos de novo”, já brincando com a frequência de participações do Iron no Rock In Rio.

 

 

Por fim, o Dream Theater, banda “ame ou odeie” dentro do universo do rock pesado. Seus muitos fãs deliram com a técnica exibida por seus integrantes, especialmente o guitarrista John Petrucci, algo que se traduz nas canções enormes, cheias de passagens instrumentais intrincadas e que fascinam especialmente pessoas que têm conhecimento teórico de música. É aquele tipo de banda que os fãs justificam sua admiração usando frases como “toca muito”, “melhor guitarrista do mundo” ou “é hora da aula” e tal. Os que não têm paciência para este tipo de som, chamado metal progressivo, atacam, justamente, as tais canções enormes, cheias de momentos virtuosos e tal. A banda não decepcionou nem fãs, nem detratores, executando longuíssimas passagens instrumentais entre as oito faixas que escolheu para sua apresentação, entre elas, canções do último álbum, “View From The Top Of The World”. Nas letras, fábulas sobre colonização interplanetária e falas que não fariam feio na boca de um Elon Musk da vida. Bem, tem quem goste.

 

Sendo assim, o Dia do Metal ficou muito mais animado, engajado e importante quando artistas mais conectados com a realidade do planeta e das pessoas estiveram nos palcos. Quando isso não aconteceu, o Rock In Rio foi apenas sonolento e quase interminável.

 

Fotos: Amanda Respício

Foto Iron Maiden: Adriana Vieira/Rock On Board

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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