Quando eles eram bons e jovens

 

 

 

Minha querida amiga Lia Amancio, colaboradora da Célula e titular da área infantil do site, é a responsável direta pela existência deste texto. Outro dia ela sugeriu uma “rinha” entre dois discos do Bon Jovi, “Slippery When Wet” (1986) e “New Jersey” (1988). Eu votei no segundo, que acabou sendo o vencedor, mas o resultado pouco importa e não é o motivo de escrever sobre a banda de Jon Bon Jovi e companhia. A lembrança destes dois álbuns me fez voltar no tempo e constatar que eles ainda continuam ótimos e que, sim, eles foram dois sucessos monstruosos dos anos 1980, em pé de igualdade com os maiores vendedores da época. E quando eu digo “maiores”, eu digo Michael Jackson, Aerosmith, Guns’n’Roses e companhia. Aliás, uma olhada para as cifras de 1987 vai mostrar que “Slippery When Wet” vendeu mais que estes outros três artistas citados, inclusive MJ, que soltava o tão badalado “Bad”. Sendo assim, numa boa, numa nice, vamos dar uma olhada nestes dois álbuns monstruosos e entender porque eles foram tão bem sucedidos e porque os “roqueiros de verdade” ainda seguem detestando o Bon Jovi. Bora?

 

É preciso entender o tempo em que os discos vieram. No meio dos anos 1980 não havia ainda o hard rock farofento que se tornou uma das principais vertentes do estilo, pelo menos em termos comerciais. O que tinhamos era, por exemplo, o Van Halen lidando com a super fama via clips, através do álbum “1984” e o Def Leppard, que, mesmo nascido inglês e dentro da chamada Nova Onda Do Heavy Metal Britânico, tinha uma sonoridade que arrastava multidões nos Estados Unidos e só por lá. Portanto, não havia alguém que conseguisse juntar com maestria o pop radiofônico, o pesinho e a linguagem visual das bandas mais pesadas e amarrar tudo num pacote convincente e vendável. Foi o Bon Jovi que fez disso, especialmente no seu terceiro álbum, “Slippery When Wet”. Antes dele a banda havia emplacado um hit solitário, “Runaway”, faixa do primeiro álbum, homônimo, de 1984 e “In And Out Of Love”, do segundo, “7800 Farenheit”, de 1985. Digamos que o Bon Jovi estava pronto para estourar a qualquer instante. Foi justamente a adição de um elemento, digamos, local, que deu o tempero definitivo ao som do grupo. Nativo da mesma New Jersey que Bruce Springsteen, o grupo, liderado pelo vocalista Jon Bon Jovi e pelo guitarrista Richie Sambora, inseriu elementos das crônicas sobre a vida dura do proletariado em suas canções. O resultado a gente conhece.

 

Quando “Slippery When Wet” surgiu por aqui, ele já era um blockbuster nos Estados Unidos. De fato, quem poderia resistir à força de “You Give Love A Bad Name”, que já iniciava como um meteoro atingindo a Terra? A união dos vocais comerciais de Jon e da guitarra Hollywood Ao Sucesso de Sambora, dentro desta lógica totalmente americana e e com letras narrando aventuras e desventuras amorosas, sentimentais e sociais do jovem ianque, se tornou irresistível. Além disso, Jon e Richie, bonitinhos e canastrões, logo se tornaram símbolos sexuais do pop numa escala Duran Duran do termo. Além deles, Tico Torres (bateria), David Bryan (teclados) e Alec Such (baixo) forneciam a argamassa sonora necessária. Outro elemento tornou-se importante neste momento – o compositor Desmond Child, que foi apresentado ao grupo pelo vocalista e guitarrista do Kiss, Paul Stanley. Childs certamente foi um dos arquitetos e formatadores da sonoridade pop da banda. Sendo assim, o grupo tornou-se pop demais para o rock mais pesado, mas oferecia ao público mais genérico algumas vivências dos sons mais pesados. Os fãs do metal mais engajados nunca engoliram a banda por ser “comercial demais”, esquecendo que o Bon Jovi nunca se enxergou como uma banda comprometida com algo que não fosse o sucesso. E quando vieram as baladas, a implicância ficou mais intensa.

 

Digo isso porque “Slippery” tinha, além do hitaço “You Give Love A Bad Name, uma outra pancada certeira, chamada “Livin’ On A Prayer” e duas baladas matadoras. A árida e existencial “Wanted Dead Or Alive” e a sacarinada “Never Say Goodbye”. Ou seja, se as canções mais energéticas irritavam os roqueiros chatos, as “lentinhas” os levavam à loucura porque, se havia algo em que Jon e Richie eram fluentes, era na confecção dessas baladonas. A situação se aprofundou com “New Jersey”, que chegou dois anos depois, em 1988, e pegou a banda já como gigante da indústria do disco. O hit da vez foi a climática “Bad Medicine”, que logo se transformava num rockão bem aos moldes do que o Kiss vinha fazendo naquele tempo. Logo depois foi a vez da irresistível “Born To Be My Baby” ganhar as paradas e consolidar o nome do grupo ainda mais. E para desespero dos metaleiros, “I’ll Be There For You”, outra baladona esgoelante de estádio, chegou para dar o status de blockbuster para “New Jersey”, que, como o título já entrega, era mais uma incursão da banda pelo imaginário de rever origens, falar delas, da dureza dos tempos idos e marcar o triunfo pessoal sobre os imprevistos e dificuldades do caminho. Nada mais “american dream”, mas que funcionava com precisão mecânica no imaginário do público naquele tempo.

 

É bom lembrar que este período fértil de Bon Jovi e seus amigos ainda iria continuar nos dois anos seguintes, quando eles, após um hiato anunciado, gravaram discos paralelos. Jon assinou a trilha do filme “Young Guns II” e fez de “Blaze Of Glory”, uma das maiores canções de sua carreira. Sambora ainda gravou um álbum chamado “Stranger In Town”, com menos alarde, mas que se tornou bem querido entre os fãs. Em 1990, o Bon Jovi viria pela primeira vez ao Brasil para participar do Hollywood Rock e eu me lembro de como o show dos caras foi divertido. Em 1992, o grupo voltaria à carga com “These Days”, meio fora de lugar em meio à onda do rock alternativo americano e do grunge. Mas aí já é outra história.

 

“Slippery When Wet” e “New Jersey” são dois discos gêmeos e ótimos. Um é ligeiramente mais maduro, o outro é sutilmente mais porra louca, mas ambos são cheios de ótimas canções e de interpretações de uma banda na ponta dos cascos e cheia de fome. Não tem como dar errado, gente.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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