Por que diachos Liam e Squire fizeram um disco de rock dos anos 1970?

 

 

 

 

 

Liam Gallagher e John Squire – Liam Gallagher & John Squire
40′, 10 faixas

(Warner)

3 out of 5 stars (3 / 5)

 

 

 

 

Há duas maneiras de você encarar este primeiro disco colaborativo de Liam Gallagher e John Squire. A primeira: é uma reunião que todo mundo queria ver e ouvir, de dois ícones da música de Manchester dos últimos tempos, a serviço do rock mais clássico, sincero e sem frescura. A segunda: é uma oportunidade perdida por dois músicos talentosos e importantes, que gravaram algo como se estivessem em 1975, deixando de lado qualquer sombra de experimentação ou novidade. Seja qual for a sua opção, ela confirma que a união de Liam e John é, de fato, um acontecimento para o rock, que está combalido há tempos, carente de uma renovação de verdade, há muito estagnado no trelelê em torno do novo disco da vez do Foo Fighters. Sendo assim, dar de cara com dez canções escritas pela dupla, devidamente agrupadas num álbum, que tem o tique clássico de ser homônimo, com produção de Greg Kurstin – não por acaso, responsável pelos trabalhos recentes do Foo Fighters – é bem legal. Mas, sejamos sinceros, a impressão que fica depois dos quarenta minutos do disco é de que ouvimos mais do mesmo, que nada ficará na memória e que estamos diante de dois preguiçosos. Ficamos, portanto, com a segunda maneira de encarar o álbum.

 

Ou não. Deixa refazer. Liam solo é sensacional. Seus discos são muito bacanas, cheios de boas referências e intenções. Squire, que, para quem não estava entendendo nada até agora, era guitarrista do Stone Roses e, após o fim da banda, formou outro grupo, o Seahorses, é um baita compositor, um dos grandes arquitetos da sonoridade neo-psicodélica que turbinou o chamado “rock de Madchester” na virada dos anos 1980/90. Cada um à sua maneira, tanto Liam, quanto John, já foram músicos em busca de um estilo próprio, de uma marca, e conseguiram. Dito isso, por que raios essas dez canções soam tão derivativas, loucamente tentando encontrar um elo perdido entre o “White Album”, dos Beatles e os primeiros trabalhos do Led Zeppelin? Menciono essas duas influências porque “Liam Gallagher & John Squire”, o disco, é um álbum de blues psicodélico clássico, sem qualquer prova concreta de que foi concebido e gravado entre 2023 e 2024.

 

Mas daí, você dirá – “ora, eles queriam fazer exatamente isso.” e não estará falando nenhuma besteira. O problema é constatar – e isso é culpa nossa – que as pessoas se acomodam, perdem a disposição ou, simplesmente, a paciência. No caso de Liam, ao contrário de seu irmão, Noel, soar conservador é um trunfo, especialmente em questões referentes ao Oasis e sua eterna volta em suspenso. Enquanto Noel procura encontrar novas sonoridades, avançar em termos de criatividade, Liam permanece fiel ao classic rock setentista. Se este disco soasse apenas com um álbum de sua carreira solo, seria melhor que o resultado final. Porque Squire, que deveria ser responsável por algum eventual twist estético guitarrístico, dispôs-se a emular ecos de Jimmy Page, Eric Clapton, Ron Wood, guitarristas clássicos por excelência, mas que, exceto por Page, não foram além da fusão do blues americano com o rock elétrico. O resultado é que as dez faixas aqui presentes soam datadas. Intencional e irreversivelmente datadas. Não dá pra acreditar que o sujeito que compôs “Fool’s Gold”, há mais de 30 anos, é o mesmo presente aqui.

 

Dito tudo isso, as faixas do álbum são ok. Todas têm a mesma pegada: blues rock, que oscilam em velocidade, cheias de solos eficazes, com arranjos psicodélicos de almanaque, devidamente conduzidas pelos vocais tradicionais de Liam, que está com a voz em dia. Nesse compêndio, há momentos bacanas, como o andamento rapidinho de “I’m So Bored” e a simpatia de “Mars To Liverpool” ou mesmo a tradição de “Just Another Rainbow”, que evoca o pedigree oasisano em sua estatura, mas que acaba se ressentindo de alguma coisa que falta, talvez o singelo e magro elemento de novidade que a banda dos Gallagher possuía em seus inícios.

 

Este álbum soa bastante como o que Squire gravou com o Seahorses, em meados dos anos 1990. É decepcionante sob o ponto de vista do potencial que há nos subterrânos mas há de agradar os viúvos de duas décadas. Se é o seu caso, ouça e fique por aqui.

 

Ouça primeiro: “Mars To Liverpool”, “I’m So Bored”, “Just Another Rainbow”.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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