Ponderando o Octa rubro-negro

 

 

Flamengo octacampeão brasileiro. Não dá pra negar, apesar de todo o negacionismo que assalta a nossa pobre sociedade. Também não dá pra deslegitimar, foram 38 rodadas ao longo da pandemia da covid-19, todo mundo jogou contra todo mundo, todos os times sofreram revezes de contusões, muitos jogadores contraíram a doença, houve dança de técnicos, polêmicas com arbitragem, ou seja, um campeonato absolutamente de acordo com a normalidade do futebol, ainda que seu baixo nível técnico, justo por conta de interrupções e pela própria gestão da pandemia tenha, claro, deixado sua marca nesta temporada de 2020.

 

 

A pergunta que fica é: dá pra comemorar?

 

Eu respondo com sinceridade: não sei.

 

Sou torcedor do Flamengo desde que me entendo por gente. Minha primeira vez acordado numa madrugada foi para ver a conquista do Mundial de Clubes de 1981, ao lado do meu finado avô, quando derrotamos o Liverpool em Tóquio naquele 3 x 0 histórico. Eu tinha dez anos.  Mas, sinceramente, estou com um pouco de dificuldade para celebrar este novo título.

 

 

Sigo amando o Flamengo, constatando seu poderio junto às massas, reconhecendo sua impressionante torcida, cantada – literalmente – em verso e prosa ao longo dos anos. E sigo amando meus ídolos dentro de campo – Zico, Andrade, Adílio. Mas eu não consigo me expandir na celebração. Ontem, dia do último jogo, contra o São Paulo, no Morumbi, pessimamente jogado pelo Flamengo, eu estava bem nervoso. Não deu pra evitar, principalmente porque o time jogava muito mal. Perdido, preguiçoso, preso na retranca do adversário. A derrota foi justa, não dá pra negar. E, com outro fracasso em campo, o empate entre Inter e Corinthians, em Porto Alegre, veio o Octa.

 

 

Fico me perguntando se eu seria torcedor do Flamengo se tivesse nascido há menos tempo. Os últimos anos têm sido de polarização política e eu não acho isso ruim, pelo contrário. Acho que é um efeito tardio de uma sociedade doente, como a atual, não só aqui no Brasil. Se há algo de bom é poder ver quem pensa parecido conosco e isso é, sim, uma grande vantagem tática na vida. De uns tempos pra cá ficou absolutamente insuportável lidar com algumas condutas e mesmo o próprio futebol enquanto esporte tem sido menos interessante do que já foi há algum tempo. Minha teimosia em adotar causas perdidas talvez me levasse a torcer para o Botafogo, nova e tristemente rebaixado neste ano. Não sei.

 

 

Fico sempre pensando em duas coisas: na relação entre o valor dos salários dos jogadores de futebol e o mundo atual. E no uso político que é feito do Flamengo. O primeiro assunto se tornou uma questão ética. No mundo de hoje, verdadeiro abismo de disparidades de todos os níveis, ganhar valores da natureza que ganham os jogadores de futebol me parece antiético. Pelo menos enquanto, sei lá, um professor seguir ganhando pouco mais de mil reais por mês. Minha mente não abre mão desta comparação e isso, claro, turva meu julgamento em relação a todo o resto, admito. Você pode discordar e imagino que deva. Afinal de contas, já vi muita gente pobre dizendo que “se ele trabalha pra isso, então é justo”. É um ponto de vista, mas não é o meu.

 

 

E o uso político do Flamengo…Bem, nessa cultura de likes que é o nosso tempo, não importa se você odeia o time e sua história. Aparecer com jogadores e diretores atuais do clube é algo justo e justificável. Veja o atual presidente do Brasil, que adora aparecer com o uniforme do Flamengo, ainda que torça para outro time. É um uso político abjeto, endossado pela diretoria atual – que é ideologicamente próxima dele – que rende dividendos políticos para a MARCA Flamengo. A que custo, gente? Para mim é imenso e imperdoável. Mas, como diz um amigo querido: “clube é clube, time é time”. Vá lá.

 

 

E que MARCA Flamengo é essa?

 

 

Minha incapacidade de adotar a pós-modernidade sem restrições me impede de ver o clube desta forma, como marca. Flamengo é o time que eu torço desde criança, Andrade, Adílio e Zico. Tita, Nunes e Lico. E ponto final.

 

 

Seguirei acompanhando o Flamengo, isso é quase certo. Mas lamentei muito além do normal de outros anos as quedas de Botafogo e Vasco para a segundona. Me pergunto se eles conseguirão voltar à elite do futebol.

 

 

É isso, sei que o texto é bem menos entusiasmado do que outros por aí.

 

 

Mas o Flamengo foi octacampeão perdendo seu último jogo, beneficiado pela incompetência do Inter, num campeonato estranho de gente esquisita e em meio ao dia de maior números de mortos na pandemia da covid-19, quase 1600 pessoas. O total de vítimas fatais já ultrapassou 251 mil.

 

 

Não consigo comemorar nada. Desculpem.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Ponderando o Octa rubro-negro

  • 26 de fevereiro de 2021 em 12:56
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    Parabéns, pelo titulo sou colorado e por pura incompetência não conseguimos fazer um misero gol no Corinthians, estamos na fila e lá se vão 42 anos……!!!!

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