Planet Hemp atualiza discurso e documenta 2022
Planet Hemp – Jardineiros
38′, 15 faixas
(Som Livre)
Nada do que acontece hoje é igual ao que aconteceu ontem, ou, no caso do Planet Hemp, há 22 anos. Este é o espaço de tempo transcorrido entre o lançamento de “A Invasão do Sagaz Homem-Fumaça” e “Jardineiros, ambos discos de inéditas do grupo, com alguns dos mesmos integrantes e produtores participantes, mas com detalhes fundamentalmente distintos entre si. E, claro, não poderia ser diferente. Por mais que a preocupação central do grupo seja, a princípio, a luta pela legalização das drogas, tal fato traz a reboque uma preocupação social intrínseca, dinâmica que se manifestava em temáticas como enfrentamento da desigualdade, combate à faceta mais dura do poder público – personificada pela ação policial indiscriminada – e por uma crítica severa aos costumes, além da exaltação da vida nas periferias das grandes cidades. Tais discursos são, de uma maneira geral, próprios do hip-hop e de formas mais rebeldes de rock alternativo. Se o Planet fazia isso entre 1995 e 2000, faz isso também em 2022, mas de um jeito mais contundente, como o tempo exige.
“Jardineiros” é um título que encampa uma nova – e impossível em meados dos anos 1990 – visão do consumo de maconha, no caso, o uso medicinal da erva e os benefícios inegáveis trazidos a partir disso. São várias ocorrências documentadas pela ciência, além da liberação de seu uso recreativo e terapêutico em vários países do mundo, algo que, também, não era possível de se pensar em 1995 ou 2000. Sendo assim, por mais que a questão ainda suscite preconceito por parte dos setores conservadores de uma sociedade desigual como a nossa, a questão dos temas do Planet Hemp se transpôs para a nossa realidade atual, na qual vários assuntos e fatos surgiram para comprovar que, ao que parece, a sociedade brasileira, se avançou em alguns setores, em outros regrediu terrivelmente.
É importante mencionar tal fato porque trata-se da mesma banda que colocou versos como “porcos fardados, seus dias estão contados” em uma canção do passado e que agora vem com “não tem futuro sem partido e nem messias com arma na mão”, mostrando que, sim, os problemas sociais existem, são os mesmos, mas temos agravantes terríveis hoje. Em termos musicais, “Jardineiros” acompanha a evolução do tempo, mas não completamente. A equação ragga-punk-hip-hop ainda é a pedra de toque do Planet Hemp e isso funciona no contexto da banda. O álbum tem um bom número de convidados, que ajudam a diversificar a palheta sonora e apontar novas direções, como a presença de Criolo no single “Distopia”, primeira canção lançada. Black Alien, ex-integrante do Planet, também faz muito bonito em “O Ritmo e a Raiva”, uma das canções mais legais presentes aqui, que soa como uma mini-biografia do grupo.
Tanto “Distopia” quanto “O Ritmo e a Raiva” têm esse DNA da novidade em seus arranjos, a primeira, mais pesada e rock, a segunda, eletrônica, cheia de beats moderninhos e bacanas. “Taca Fogo” também é uma surpresa, quase um hardcore tradicional, encampado por um intervalo trap no meio da dinâmica, funcionando bem. E tem uma maravilhosa bandeira acenada em direção ao Miami Bass mais tradicional, mola propulsora de “Ainda”, com a participação de Tropikillaz, que, na verdade, é projeto de DJ Zè Gonzalez, que pilotava as carrapetas no show do Planet lá nos anos 1990. Fechando a raia, três participações muito distintas: o argentino Treno na ótima “Meu Barrio”, Mc Carol via sampler em “Onda Forte” e Tantão e os Fita em “Veias Abertas”. Sem falar em Marcelo Yuka, ex-Rappa e ativista social carioca, morto em 2019, que abre o disco em frase sampleada, que ganhou o seu próprio nome.
“Jardineiros” é mais que uma atualização de discurso. É uma polaroide da nossa realidade com cores nítidas. É um típico caso em que os músicos gostariam que não fosse preciso falar das mesmas mazelas. Porém, como é absolutamente necessário, eles não ficam em silêncio. É um disco bem-vindo, fiel ao que vivemos em 2022.
Ouça primeiro: “Ainda”, “Distopia”, “O Ritmo e a Raiva”, “Jardineiro”, “Veias Abertas”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.