Pixies + Sonic Youth = Dry Cleaning

 

Dry Cleaning – New Long Leg

 

Duração: 41 min
Faixas: 10
Produção: John Parish
Gravadora: 4AD

 

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Onde está a novidade no rock? Há muito tempo que o estilo vem se mantendo através de usos e apropriações mais e menos inteligentes de caminhos que já foram trilhados no passado. A diferença está, sempre, na forma com que tais informações são (re)processadas, gerando algo que ressoe agradavelmente nos ouvidos e que, mais que isso, nos desperte a curiosidade para saber quem estamos ouvindo. Veja o caso do Dry Cleaning, um quarteto do sul de Londres, que estreia em disco com este ótimo “New Long Leg”: tudo por aqui ressoa como o rock americano alternativo do fim dos anos 1980, com guitarras altas e impertinentes, que sobrevoam uma bem construída cama de baixo e bateria. Coroando a coisa toda, estão os vocais femininos sussurados, declamados, canto-falados, que narram a perplexidade comum desses tempos pós-pós modernos. E tudo funciona como se fosse novo, ou melhor, como se fosse bom e inequivocamente conectado com as duas bandas que fornecem estas inspirações: Pixies e Sonic Youth.

 

O grande charme do Dry Cleaning chama-se Florence Shaw, vocalista com aspirações de ser um misto das duas Kim primordiais, Gordon e Deal. Ela passeia pelas melodias extremamente bem feitas que os outros três integrantes oferecem – Nick Buxton, Tom Dowse e Lewis Maynard – com o caos portátil que nos é tão familiar nesses tempos. Testemunha sobre taxistas, fast-food, pessoas que andam nas ruas, tudo com a perspectiva da estranheza e da leve perplexidade. O fato de Florence quase recitar suas letras confere ao resultado final uma aura de solenidade, algo que, guardadas as proporções, lembra Patti Smith, naquela onda de “poeta encontra banda de rock”. O jeito que o Dry Cleaning soa é muito dentro desta noção pós-punk/art rock que encampa, não só o Sonic Youth, como a própria Patti Smith, levando o ouvinte para terrenos que vão além da música, com viés literário próprio e aspirações estilísticas quanto ao uso das guitarras, por exemplo.

 

Seria apenas mais uma banda pretensiosa se não houvesse um – forte – componente musical presente. Os sujeitos sabem fazer arranjos e usar seus instrumentos com personalidade suficiente. E tiveram a manha de chamar John Parish, sujeito que já produziu PJ Harvey e um monte de outras pessoas bacanas, para pilotar o estúdio e conferir foco ao ímpeto da banda. O resultado está na mistura em boas doses desse viés “poeta atormentada e precoce encontra banda pós-punk”. Tudo parece funcionar ao longo das dez faixas que compóem “New Long Leg”. Não há nota desperdiçada, tudo flui naturalmente entre as canções, com destaque natural para Florence e para a eficiência da cozinha Buxton/Maynard, que tem noção de que é preciso solidificar bem as bases com pequenos pulsos dançantes, para que as guitarras de Dowse venham com força e oscilem entre a discrição e solos fluidos e inseridos no contexto. É noturno, é cinzento, é decadente mas também é jovem, fresco e coerente.

 

São muitos os bons momentos. O riff de baixo logo na apertura de “Scratchard Lanyard”, que pavimenta o caminho para os comichões de guitarra são a passarela perfeita para o vozerio de Florence, soando mesmo como se fosse algo que o Sonic Youth pudesse fazer lá por 1990/91. “Her Hippo” também é bem legal, ainda que seja mais condensada e barulhenta, usando e abusando de boas guitarras. A faixa-título é misteriosa e sedutora, “More Big Birds” é um raro momento em que o Dry Cleaning se aproxima de algo mais plácido, ainda que nunca possamos dizer que trata-se de uma “música lentinha”. O fim com “Every Day Carry” é o fecho perfeito para o álbum, com psicodelia sombria, urbana, estranha e fruto direto da loucura normalizada do cotidiano versão 2021.

 

Dry Cleaning fez um senhor disco de estreia. Misturou influências dignas do rock alternativo americano de 30 anos; acrescentou revestimento poético e caótico a partir de uma vocalista misteriosa/fascinante e reavivou toda uma linha evolutiva de bandas e artistas ótimos. Se o seu negócio é Sonic Youth, Pixies, PJ Harvey e similares, caia dentro sem medo.

 

Ouça primeiro: “Every Day Carry”, “Her Hippo”, “More Big Birds”, “Scratchard Lanyard”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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