Dupla de Los Angeles revisita o soul chicano

 

 

 

 

Los Yesterdays – Frozen in Time
31′, 10 faixas
(Now-Again)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Nós, aqui, na Célula Pop, preferimos sempre mostrar artistas que se sintonizam com o presente. Procuramos evitar a nostalgia ou, se não houver outro jeito, abraçamos o olhar para o passado com esclarecimento e consciência. No caso do primeiro álbum do duo angeleno Los Yesterdays, nem se trata de abraçar a nostalgia, mas de mergulhar num mundo ainda pouco explorado por nós e, provavelmente, pela maioria dos nossos leitores e leitoras: o do soul chicano. A gente te explica: é a cena da Costa Oeste americana, mais presente em cidades como Los Angeles e San Diego, na qual bandas e artistas de hoje procuram recriar harmonias, detalhes e acentos de quando a música latina, então presente na cidade há pouco tempo, buscava espaço para se expandir e adquirir novas identidades. Para isso, por conta dos jovens filhos de imigrantes, a primeira geração de “chicanos” da cidade, a soul music foi um dos caminhos escolhidos para esta nova possibilidade de música própria, identitária. Daí, lá pelo início dos anos 1960, essa galera ouvia a todo vapor gente como Temptations, James Brown, Smokey Robinson, The Drifters, procurando decalcar seus tiques e taques. Ainda hoje o processo está em andamento e uma novíssima geração de artistas chicanos está praticando soul music genuína, própria. Deles. E a dupla Los Yesterdays é uma das pontas de lança, estreando com o álbum “Frozen In Time”.

 

Como dissemos, é uma cena. Além dos Yesterdays há outras ótimas bandas com potencial para o sucesso e o amor globais: The Altons, Thee Sacred Souls, Joey Quiñones And Thee Sinseers e Thee Heart Tones, todas com singles maravilhosos e álbuns lançados ou a caminho. Estaremos de olhos e ouvidos atentos a esta galera, mas, por ora, vamos falar de Los Yesterdays, uma dupla formada por Gabriel Rowland e Victor Benavides, em 2017. Os dois iniciaram sua parceria como uma garage band, mas logo perceberam que o grande barato não estava no barulho ou na velocidade e, já em 2020, lançavam os primeiros singles com a abordagem “chicano soul”. O sucesso veio aos poucos, de forma orgânica, ao mesmo tempo que os outros artistas mencionados acima – e mais outros- iam convergindo para esta visão da soul music, mais ou menos do mesmo jeito que a gravadora Daptones formatara ao longo dos primeiros anos do milênio. Sendo assim, as canções, arranjos e mesmo a postura desses artistas é intencionalmente revisionista, procurando obter a mesma sonoridade conquistada há décadas pelos pioneiros. Porém, se engana quem pensa que a nostalgia está aqui, neste movimento, digamos, técnico. As facilidades tecnológicas dos estúdios permite atingir os sons do passado, mas o segredo está em recriar o ambiente de harmonia e esperança que havia há seis décadas.

 

Por isso, quando nos deparamos com um álbum como “Frozen In Time”, cujo título já entrega a proposta, vemos que o olhar para o passado surge como uma orientação, um elemento intrínseco à proposta. É como se o objetivo fosse recriar “a alma” daquele tempo, um sentimento que não se mede. De alguma forma, parece que esse espírito do tempo parece surgir em alguns momentos do álbum, seja num arranjo com harpas, seja numa letra de amor romântico, seja no sentimento de tristeza e saudade que paira no ar. Na feitura das canções de “Frozen In Time” não há apenas a influência de artistas chicanos do passado, mas há também um olhar generoso para o outro lado do país, especialmente para o Philly Soul (que teve uma sucursal latina sensacional, a Salsoul Records), os Neville Brothers (de Nova Orleans) e bandas de Nova York, como The Rascals, que eram, veja só, descendentes de italianos, além de artistas como Ray Barreto e Willie Bobo, bastiões da Fania Records.

 

Logo na abertura, “Nobody’s Clown (Payaso Version)” coloca as cartas na mesa. O tom lento, derramado, sofrido, mostra a tristeza pelo amor que não deu certo, numa postura totalmente desafiadora em relação à rapidez e superficialidade que parecem imperar. A faixa-título é outra lindeza, que dura menos de dois minutos e meio, que desemboca na enolarada “Something Happened”, que lembra demais os timbres de “It’s A Beautiful Morning”, dos Rascals. Os vocais são sensacionais e o clima consegue te colocar no mesmo tempo e espaço de todo este imaginário latin soul sessentista que a música evoca. “Brown Boy” segue no mesmo caminho, com ótimos pianos e vocais de apoio, falando de um “brown boy feeling blue” por conta de um amor que se foi para nunca mais voltar. “I Want To Stay” é lenta, dolorida, belíssima, soando como se fosse uma canção obscura que algum artista trip hop usaria para samplear, enquanto “Name On Me” segue evocando timbres sessentistas atemporais via piano, harmônica e o que mais houver.

 

Este primeiro álbum dos Los Yesterdays é uma lindeza sem paralelos na música feita hoje. Por isso não dá pra falar em nostalgia, pelo menos, não do jeito que estamos acostumados a fazer. O que há neste disco é amor pelas origens e tradições sonoras que ainda estão vigentes. Recriá-las e abraçá-las é, ora, continuar o presente em busca de um futuro, quem sabe, melhor. Lindeza total.

 

 

Ouça primeiro: “Nobody’s Clown (Payaso Version)”, “Something Happened”, “Frozen In Time”, “Brown Boy”, “I Want To Stay”, “Name On Me”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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