Paralamas remixados mas irregulares
Paralamas – 10 Remixes
33′, 10 faixas
(Universal)
Alguém já disse que o remix é uma nova forma de contar a mesma história. Acho que foi o DJ Memê nos anos 1990, quando ele se associou a Lulu Santos na fase eletrônica do cantor, guitarrista e compositor carioca na feitura do álbum “Assim Caminha a Humanidade”, em 1994. O resultado foi tão bem sucedido, que os dois repetiram a dose em “Eu e Memê, Memê e Eu” dois anos depois, no qual, mais abertamente, experimentaram com os remixes. Antes disso, nos anos 1980, algumas coletâneas da CBS-Sony desbravaram o campo ainda inexplorado do remix no Brasil. Exceto por essas aventuras e por um surto remixante na virada dos anos 1990/2000, no qual bandas como Kid Abelha, Biquini Cavadão e até Djavan, lançaram álbuns com versões remix de sucessos, tudo é novidade neste terreno. Depois deles, a gravadora Trama investiu de forma heroica em artistas que tinham projetos consistentes, como DJ Patife, XRS, Drumagick, Marky, e até gente mais pop, que transitava nessa área, como Max de Castro e Fernanda Porto. De uns dez anos pra cá, a música pop se tornou bastante eletrônica em suas características estéticas e este processo trouxe mais e mais acesso a novos artistas fluentes em produção e variantes da música eletrônica no país. E deste período mais recente, saem os participantes desta coletânea de sucessos paralâmicos remexidos.
O grande João Barone, baterista do grupo, disse em seu perfil no Instagram que a ideia surgiu na espera por um show de Paul McCartney, em 2013, antes do qual foram tocadas várias versões de canções do ex-Beatle em versões remix diversas. Barone pensou: “Por que não fazer isso com as nossas canções?!”. Com a responsabilidade dada a Marcelinho da Lua, “Paralamas 10 Remixes” chega aos serviços de streaming com a missão de convencer o fã da banda de que há vida além dos originais. Foram recrutados artistas prestigiados e atuais da cena pop brasileira, como Papatinho, Tropkillaz, ATTOOXXAA, DJ Marky, Mahmundi, entre outros, além do próprio Da Lua, que aparece solo e com seu projeto BossaCucaNova, outro baluarte da cena eletrônica nacional dos anos 2000. O resultado, como é de se esperar neste tipo de empreitada, é irregular, mas, de uma maneira geral, mostra como a produção paralâmica é longeva em termos de potencial remixante.
As canções que estão aqui compreendem um período entre os álbuns “O Passo do Lui” (1984) e “Arquivo 2” (2000), do qual a faixa “Aonde Quer Que Eu Vá” foi escolhida para ser remixada por Mulú. Esta versão, particularmente, não é das mais interessantes da leva. Muito cura (2:21min) e completamente desconectada do original, ela é totalmente esquecível. Desinteressante também é a “Lourinha Bombril” com remix dos baianos do ATTOOXXA, que tentou colocar um sotaque de pagodão de verão, mas o resultado fica aquém e acaba ressaltando o potencial dançante do original, que é de 1996, do álbum “Nove Luas”. A releitura de “O Beco” por Tropkillaz é mais audaciosa e coloca a letra de denúncia da violência do original de 1988 em confronto com o batidão funk mais lento e pesado. É apenas ok, poderia ser mais cheia de graves e distorções. Neste terreno do “quase” também está o remix de Papatinho para “Ela Disse Adeus”, que é uma baita canção do grupo, originalmente registrada no álbum “Hey Na Na”, de 1998. Outra que foi pelo terreno do eletrofunk, mas que carece de peso e timbres graves, além de muito curta, pouco mais de dois minutos.
No saldo positivo logo se destaca a leitura de Mahmundi para um hit paralâmico de 1989, do álbum “Big Bang”: “Lanterna dos Afogados”. A cantora carioca chega a acrescentar seus vocais à versão, que é bem legal e foge do estereótipo de que “remix é só para a pista de dança”. Mas se a intenção é dançar, logo em seguida vem o turbinado “Ska” que, pelas mãos do DJ Marky, ganhou fúria e sonoridade drum’n’bass, acelerando ainda mais o original de 1984. Dançante também é a “Saber Amar” do Groove Delight, que repagina completamente a quase-balada original, que veio no EP de faixas inéditas que acompanhou o ao vivo “Vamo Batê Lata”, de 1995. Da Lua aparece em dois remixes: um regular, com “Mensagem de Amor”, outra de “O Passo do Lui” (1984) e outro, sensacional, com o BossaCucaNova, Dado Villa-Lobos e Pretinho da Serrinha em uma belezura drum’n’reggae para “O Amor Não Sabe Esperar”, outra faixa de “Hey Na Na”, 1998. O pódio, no entanto, fica com a assombrosa leitura de Daniel Ganjaman para “Selvagem”, faixa-título do terceiro álbum do grupo, de 1986. Com baixo infeccioso, batidas raggamuffin e roupagem urbana-contemporânea, trata-se de um momento de beleza total.
“Paralamas 10 Remixes” é aquele tipo de disco para sacar numa playlist, surpreender uma galera que está ouvindo ou para perceber as vastas possibilidades de releitura e refazenda desse tipo de canção pop. No caso dos Paralamas, eles sempre foram à frente do combalido pop rock nacional e a flexibilidade eletrônica de canções de álbuns tão distintos e separados por um intervalo grande no tempo – dezesseis anos – mostra como eles são bons. Belezura.
Ouça primeiro: “Selvagem”, “O Amor Não Pode Esperar”, “Ska”, “Lanterna dos Afogados”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.