Paralamas e Legião no Dia do Trabalhador
Em tempos como os de hoje, é preciso celebrar e valorizar o Dia do Trabalhador.
Ao longo do período compreendido entre o início do século 19 e a atualidade, coincidindo com a adoção do capitalismo como sistema econômico, em substituição ao mercantilismo, a defesa dos direitos do trabalhador tem sido a principal trincheira dos próprios direitos humanos em sentido amplo. É um verdadeiro cabo de guerra entre donos dos meios de produção, que visam o aumento de lucro a qualquer preço e o trabalhador assalariado, que recebe por sua força de trabalho, contratada pelo empregador.
O texto não pretende entrar a fundo em teorias ou defender pontos de vista estruturais, mas é preciso que se observe o atual momento do planeta, sob a égide do neoliberalismo. Esta mutação do capitalismo ataca sem dó as conquistas trabalhistas obtidas a duríssimas penas nas últimas décadas, produzindo situações como a volta do trabalho escravo para abastecer linhas de montagem transnacionais, além do próprio aviltamento dos direitos do trabalhador, em instâncias como 13º salário, férias de 30 dias remuneradas, FGTS, aposentadoria, instâncias tratadas como empecilho para o empregador, que alega pagar por algo que “não dá lucro” ou amplia sua produtividade.
Tais conquistas vieram com o surgimento da CLT, em 1932, por conta da Constituição Federal aprovada naquele ano por Getúlio Vargas, que percebeu, num tempo em que o mundo sofria com a grande crise de 1929, que era preciso fortalecer a classe trabalhadora para o bem do próprio capitalismo. Sem ela, o próprio sistema torna-se inviável. Parece que os partidários do neoliberalismo não pensam desta forma.
É um momento delicado, no qual o próprio estado, que administra e viabiliza os direitos do trabalhador, está sob ataque severo de políticos que representam interesses de empresários, partidários deste enxugamento nos direitos trabalhistas.
Sobre a canção, Os Paralamas do Sucesso gravaram “Capitão de Indústria” em 1996, em seu oitavo álbum de estúdio, 9 Luas. De autoria de Marcos e Paulo Sérgio Vale, ela fala da falta de tempo que o trabalhador enfrenta em uma jornada de trabalho que consome sua existência como indivíduo, praticamente impedindo que ele faça algo fora deste âmbito.
Lembra a origem do trabalho assalariado sob o capitalismo, no qual, em plena Revolução Industrial, as fábricas inglesas estipulavam jornadas de 18 horas. “Capitão de Indústria” foi gravada originalmente em 1972, como parte da trilha sonora da novela Selva de Pedra, com interpretação de Djalma Dias, sendo o tema do personagem Aristides Vilhena, dono de um estaleiro.
É um clichê do jornalismo musical brasileiro, levado adiante por sujeitos de 30 e poucos anos, diminuir a importância da Legião Urbana, provavelmente, porque cresceram em casas nas quais irmãos mais velhos gostavam da banda e eles, ansiosos por verem Xuxa ou algo no gênero, eram enquadrados e impedidos, vá saber. Isso pouco importa aqui, na verdade.
“Fábrica” foi incluída no segundo álbum do grupo, “Dois”, lançado em 1986, fazendo grande sucesso entre os fãs, mas não chegando a ser um hit radiofônico, a exemplo de outras músicas do disco. A letra fala sobre o quanto é preciso defender a importância do trabalho diante dos perigos de opressão impostos pelo patrão, pela própria sociedade, trazendo cansaço, esforço, desgaste e tudo mais que pode advir da chamada, “exploração do homem pelo homem”.
Renato Russo não aborda um viés socialista na letra, procurando se valer das metáforas duras da letra para falar das próprias relações humanas, talvez lembrando que, em última instância, patrão e trabalhador são nada mais que seres humanos com sentimentos, família, vida, tudo que se posiciona além da própria relação de trabalho.
A versão ao vivo da canção, gravada num show no estádio do Parque Antártica, em 1990, tem o mérito de trazer um enorme coral de vozes para acompanhar o vocal de Renato Russo. Ela faz parte do álbum duplo Músicas Para Acampamentos. Em tempos como os de hoje, ver uma banda de Rock fazendo uma plateia cantar versos como
“Deve haver algum lugar onde o mais forte não consegue escravizar quem não tem chance” é quase um sonho.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.