Jana Viscardi – a linguagem e o jornalismo que não merecem a sua audiência

 

 

 

Jana Viscardi é doutora em linguística e desde 2015 mantém um canal no Youtube, em que de um jeito leve e com propriedade traz a proposta necessária de apresentar a linguagem como ela é, parte indissociável da nossa vida, que muitas vezes por correria, costume ou desatenção nos passa desapercebida, sendo que quando olhada de perto e sem maneirismos acadêmicos muda nossa forma de analisar e estar em sociedade.

 

Em julho, Jana, que não é Janaína, é Janaisa, publicou um vídeo sobre a necessidade de acabarmos com o jornalismo declaratório, prática que ganhou atenção depois de uma entrevista de Caco Barcellos em 2011, em que ele criticava os desdobramentos que ela já causou na história política brasileira.

 

Mas o que é esse tal jornalismo declaratório?

 

Nós nos encontramos com ele todo dia.

 

Para o jornalismo declaratório basta apenas as declarações de uma fonte, pública ou privada, para que tenhamos uma notícia. Se por acaso o outro lado envolvido for ouvido, aí deslizamos para o território da polêmica, que se não informa, pelo menos gera declarações estapafúrdias e choques momentâneos.

 

No vídeo Jana foca no âmbito político, mas especificamente nas estratégicas aplicadas pelos políticos da extrema-direita, abordagem usada pelo também linguista George Lakoff, que notou o mesmo padrão nos discursos de Donald Trump.

 

Voltando para o Brasil, dia sim, outro também, assim que sabemos de algum acontecimento absurdo envolvendo o governo, as cortinas de fumaça se abrem para falas das mais abjetas vindas de bocas públicas com o intuito de desviar a atenção de problemas graves e enquadrar discussões sérias da forma como elas desejam.

 

O famoso Falem mal, mas falem de mim.

 

A fonte que tem declarações validadas pelo jornalismo declaratório sabe que vai ser noticiada. Quando passamos a analisar o modus operandi desse método, nos tornamos capazes de não o naturalizar e de nos indignar com o espaço que ele dá para quem deveria falar sozinho.

 

Mês passado estreou na HBO Max Pacto Brutal: o assassinato de Daniela Perez, a série documental dirigida por Tatiana Issa e Guto Barra, que desenvolveram um trabalho cuidadoso e de muito respeito para resgatar a memória de Daniela, artista talentosa, em ascensão, brutalmente assassinada há 30 anos por Guilherme de Pádua e sua então esposa Paula Thomaz.

 

Tatiana e Guto não ouviram os assassinos, agora em liberdade, com um cargo de pastor, no caso de Guilherme, e uma vida confortável no mesmo bairro em que Daniela morou, no caso de Paula. Decisão acertada e coerente, que não está sendo seguida por alguns veículos de comunicação.

 

Desde que Pacto Brutal foi anunciado alguns sites passaram a dar a palavra ao assassino e estampar suas declarações como se ele tivesse sido injustiçado ao não poder se manifestar na série. Pedidos, justificativas: já que a vítima viva da sua crueldade, a mãe de Daniela, Gloria Perez, não o responderá, que pelo menos eles tenham a audiência garantida pela única fonte que não deveria ter voz para falar sobre a destruição que causou.

 

Como se Daniela já não tivesse sido assassinada inúmeras vezes pela imprensa da época, que insistiu em teses machistas e sem ética sobre um envolvimento entre ela e Guilherme, agora somos obrigados a ver o rosto treinado de uma pessoa que jamais se mostrou arrependimento por acabar com a vida de uma colega de trabalho de 22 anos.

 

Você pode se perguntar, mas e aí, como nos informamos?

 

Há inúmeras possibilidades para que não nos deixemos levar pelo alcance e as intenções do jornalismo declaratório.

 

Pacto Brutal é um exemplo de como é possível não apelar a uma forma injusta de reportar uma notícia. A questão é que muitas vezes essa percepção só é possível quando paramos para analisar todo o contexto de linguagem em que estamos inseridos.

 

Para isso contamos com Jana Viscardi, seus vídeos e seus cursos.

 

Linguagem é vida e memória.

 

E quando a vida falta, as palavras são os instrumentos que nos ajudarão a manter vivo tudo o que merece ser lembrado por nós.

 

 

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

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