Os 35 anos de “Love”, do The Cult

 

 

 

 

Lançado em 18 de outubro de 1985 pela Beggars Banquet, “Love” é segundo álbum da banda inglesa The Cult e, apesar de ainda prosseguir na sonoridade do gótico iniciada no debut, o disco apresenta uma evolução considerável em relação ao trabalho anterior, incrementando elementos do hard rock, gênero que seria predominante na discografia do grupo pelos anos seguintes. Com um ar de misticismo presente durante toda a audição, é notória a influência da música estadunidense na sonoridade do álbum e que se tornaria cada vez mais explícita nos lançamentos seguintes. Embora com um pé no hard rock, o gótico e o post-punk ainda são os gêneros proeminentes no LP – em parte devido ao direcionamento musical do produtor Steve Brown (Elton John, Wham!) –, com notável influência dos conterrâneos do Killing Joke e Bauhaus.

 

Com os riffs etéreos e potentes de Billy Duffy e a voz grave e levemente rouca de Ian Astbury, que por vezes lembra Jim Morrison – tanto que foi escolhido como o substituto deste último na reencarnação do The Doors –, somos guiados através de 10 faixas com um som que equilibra melodia e peso. Vamos à análise de cada faixa:

 

1.Nirvana

 

Com um riff abrasivo, “Nirvana” abre o disco. É um dos exemplares mais evidentes do hard rock a ser praticado no futuro e cumpre até bem o papel de introduzir o ouvinte na sonoridade do álbum, entretanto não empolga tanto (embora tenha um solo com bastante swing) e é uma das faixas menos inspiradas, é apenas um bom exemplar de um rock básico

 

2.Big Neon Glitter

 

É com “Big Neon Glitter” que Love começa a engrenar. Iniciando com um riff hipnótico e repleto de reverberações e a bateria sempre eficiente de Mark Brzezicki, sua melodia lisérgica é um verdadeiro passeio sonoro emulando um ambiente urbano e noturno. É necessário pontuar também que é a partir deste momento que Ian Astubury põe todo o seu alcance vocal à mostra ao ouvinte

 

3.Love

 

Se até então havia apenas indicações, é com a faixa-título, “Love”, que há a primeira incursão no hard rock (tanto pela musicalidade quanto pela temática lírica típica do gênero) e é um dos momentos em que a banda mais se solta. Desde a introdução vigorosa até às estrofes em que guitarra e bateria formam uma perfeita simbiose. Pode não ter o refrão mais marcante de todas as faixas do disco, mas sem dúvidas os solos de Billy Duffy aqui são os mais memoráveis.

 

4.Brother Wolf, Sister Moon

 

Resgatando a temática mística/indígena, “Brother Wolf, Sister Moon” é uma balada densa que poderia ser mais do que é. Não há uma variação melódica que empolgue ou consiga prender a atenção por muito tempo; apesar do começo morno, a canção cresce muito com a adição do solo de Duffy e da incursão dos teclados de Jamie Stewart.

 

5.Rain

 

E encerrando a primeira metade, temos um dos clássicos absolutos do conjunto inglês. Com um riff contagiante, “Rain” apresenta um clima vibrante e um refrão que gruda na memória. Segundo Astbury, a letra é “puramente sobre sexo”, contudo é impossível também não associar a temática aos rituais tribais que anseiam pela chuva, o fenômeno da natureza talvez mais celebrado pelos povos nativos do mundo inteiro. Seja como for, “Rain” dá brilho ao disco e é presença constante no repertório dos shows.

 

6.Phoenix

 

Iniciando a segunda metade, “Phoenix” começa uma guitarra com bastante reverberação – um tanto exagerada, convenhamos –, sendo até um tanto visceral, e uma bateria totalmente punk. Mantendo os pés no gótico, a faixa poderia ser mais interessante do que é. Mesmo com Billy Duffy solando extremamente bem durante a duração, ainda assim não é o suficiente para eliminar o clima de monotonia, assim como a repetição incessante do verso “I’m on fire” não ajuda muito nesse sentido (a exemplo de curiosidade, Bruce Springsteen fez coisa mais interessante com o mesmo verso na balada homônima).

 

7.Hollow Man

 

Felizmente, “Hollow Man” vem para levantar o clima. Diferente da faixa anterior, em que o exibicionismo na guitarra predominava, é na simplicidade desta, com uma melodia irresistível, que o ouvinte é conquistado. Desde o baixo encorpado até os riffs, é impossível não vibrar com a canção.

 

9.Revolution

 

Muito doce? Possivelmente. Porém “Revolution” é até o momento a melhor balada do álbum (não tanto liricamente, mas melodicamente com certeza). Feita evidentemente para emplacar nas rádios, não chega a ser um momento de destaque genuíno deste álbum, no entanto serve como uma “quebra de clima” do clima agitado até então.

 

10.She Sells Sanctuary

 

E perto do final, chegamos ao maior destaque de “Love”, senão da banda. Com um clima etéreo na introdução que ressoa new wave, “She Sells Sanctuary” rapidamente fisga o ouvinte com a guitarra incendiária (e bastante) inspirada de Billy Duffy em conjunto com o baixo pulsante de Jamie Stewart. Sendo uma canção sobre, nas palavras de Ian Astbury, sexo (tema que inspira as melhores composições do disco, diga-se de passagem), a faixa é o equilíbrio perfeito entre o post-punk dos primórdios com o hard rock incipiente. Não à toa, tornou-se um clássico instantâneo do grupo e, consequentemente, da década de 80 como um todo.

 

11.Black Angel

 

“Revolution” era a melhor balada? Retiro o que disse! “Black Angel” é quem evidentemente merece esse posto, sendo evidente a maturidade lírica desta para aquela faixa. Encerrando o álbum com primor, é uma balada suave e levemente melancólica. Com um solo comedido, mas extasiante, “Black Angel” acerta exatamente naquilo em que “Brother Wolf, Sister Moon” falhou, que é criar um ambiente soturno sem descambar para o marasmo; findando, assim, de maneira magistral a audição de “Love”.

 

“Love” elevou o The Cult a um novo patamar fazendo a banda emergir de uma audiência limitada para a conquista de públicos maiores. Situado no limite entre o gótico e o hard rock – limite este que seria superado com o lançamento de “Sonic Temple” (álbum que encerra transição para o hard rock), que aliás completou 30 anos em 2019 – o disco foi um divisor de águas para o grupo e se tornou seu maior sucesso comercial. Misturando um clima etéreo e sombrio com momentos de agitação e intensidade (aludindo diversas vezes ao som dos anos 70), “Love” evitou de se tornar datado e preso apenas a um cenário musical, sendo tão marcante e encantador quanto à época em que surgiu.

 

Gabriel Martins

Colecionador de CD’s desde os 14 anos, descobri o amor à música com o Tears For Fears e a paixão pela brasilidade com Marcos Valle. Apesar de ser formado em Direito, minha vocação se encontra no jornalismo musical.

5 thoughts on “Os 35 anos de “Love”, do The Cult

  • 31 de maio de 2021 em 14:37
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    Ola, gostei muito da sua abordagem.
    Quero aproveitar para perguntar qual banda, ou cantor, brasileiro se inspirou no The Cult.
    Obrigado!

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    • 31 de maio de 2021 em 23:08
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      Olá, Luiz. Fico feliz que tenha gostado. Em minha pesquisa não encontrei um artista brasileiro que tenha especificado o The Cult como influência principal, contudo, é notório que muitas das bandas do BRock da década de 80 replicaram a estética do post-punk na qual o The Cult se insere. Continuarei a pesquisar e caso encontre, trarei essa informação ao senhor. Um abraço!

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  • 3 de novembro de 2020 em 21:25
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    Excelente análise do trabalho da banda do qual sou fã

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