Olivia Rodrigo na pole position do pop mundial

 

 

 

 

Olivia Rodrigo – GUTS
39′, 12 faixas
(Geffen)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Olivia Rodrigo tem dado entrevistas sobre seu novo álbum, “GUTS”, dizendo ser ele um trabalho sobre … raiva e angústia pós-adolescentes. “As pessoas não têm ideia do quanto nós, jovens, temos angústia e raiva”, declarou. Uma olhada para a figura simpática da cantora e compositora americana pode tornar esta afirmação meio descabida, porém, uma outra olhada – mais atenta – poderá revelar que, por exemplo, em sua apresentação no Festival de Glastonbury do ano passado, ao saber que o direito das mulheres americanas ao aborto estavam ameaçados de cassação, ela, junto com a inglesa Lily Allen, dedicaram a canção “Fuck You” para todos os envolvidos. E a interpretaram da forma mais agressiva possível. Uma ouvida atenta aos dois álbuns de Olivia mostrará que ela – que compõe melodia e letra – usa a palavra “fuck” com muito mais frequência do que se supõe. Claro que esses detalhes não fazem dela uma Chryssie Hynde ou uma Suzi Quatro, mas, sim, lhes dão crédito para reivindicar um espaço “sério” na pop culture de hoje. E Olivia não está para brincadeiras desde que colocou seu rostinho filipino-americano na mídia especializada, cantando a bela “Driver’s Licence”, há pouco mais de dois anos.

 

 

“GUTS” repete a dobradinha do primeiro álbum, “SOUR”, com o produtor Dan Nigro, que parece ser o mais eficiente tradutor das emoções e desejos de Olívia na hora de compor e executar uma ideia. Com influências nítidas de Avril Lavigne, Fiona Apple, Alanis Morissette e Paramore, Olivia construiu um habitat sonoro confortável e convincente para criar belas canções sobre desilusão, tristeza e frustração emocional, não tendo qualquer pudor em expor suas decepções com namorados, amigos, pessoas em geral. Ela coloca o coração na ponta da chuteira quando vocifera contra essa gente péssima e o faz com refinadíssimos exemplares do mais puro pop de guitarras americano que é possível fazer num ambiente mainstream. Em determinados momentos, há excelência acima do esperado, caso do primeiro single do álbum, “Vampire”, um épico pop pianístico incrível, que carrega um arranjo elaborado para os tempos atuais, com mudanças de andamento, instrumentos pairando no ar e, acima de tudo, uma performance vocal das mais belas. Como dissemos, Olivia não está para brincadeira.

 

 

Como dissemos acima – e como comprovam os ouvintes mais atentos – ela faz este pop enguitarrado, mas também oferece momentos de cortar o coração do mais cético dos ouvintes, ao oferecer as páginas de um diário hipotético, em canções como “Teenage Dream”, “Logical” ou “Making The Bed”, esta última capaz de comunicar bem além do público primordial de seu trabalho, no caso, transbordado emoção até para um velhusco sem alma como eu (mentira, eu tenho alma). O fato é que Olivia faz da sinceridade, este bem quase extinto no showbiz musical mundial, sua principal força. Claro que há grana para boa produção e tal, mas ela faz tudo apenas com o produtor, sem feats duvidosos, campanha altamente publicitária e demais subterfúgios extramusicais. Comparar popstars genéricos da atualidade com Olivia Rodrigo é se preparar para uma torrente de vergonha alheia em nível máximo.

 

 

Os momentos mais interessantes aqui – e isso é uma questão de gosto pessoal – estão nas canções mais roqueiras, nas quais ela brinca de pop punk do início dos anos 2000 sem qualquer cerimônia. O segundo single, “Bad Idea, Right?” é pura fofura enguitarrada de menina que aprontou e se deu mal. “All-American Bitch”, como o nome já diz, é outro momento em que Olivia não tem pudores em falar sobre a cobrança que sofre como jovem ídolo musical – “I’m sexy and I’m kind/I’m pretty when I’m cry” – e ela faz tudo isso com uma levada dinâmica de guitarras que não deixa nada a dever a, digamos, “Sk8ter Boi”, de Avril Lavigne. Outro momento de ouro é “Pretty Isn’t Pretty”, outra autoanálise sobre estética e vida diante dos holofotes. Aliás, se continuar assim, Olivia tem tudo para nos oferecer contundentes testemunhos sobre como a fama pode afetar a vida de uma pessoa normal. Ela já vem fazendo isso.

 

Olivia Rodrigo conseguiu fazer um álbum ainda melhor que sua estreia. Mais focado, mais sutil e igualmente pródigo em ótimas canções. Não há ninguém tão bom quanto ela no pop multimundial no momento. E ela não parece a fim de mudar essa situação. Estamos de olho, ela tem tudo para ser, de fato, uma grande estrela da música.

 

 

Ouça primeiro: “Pretty Isn’t Pretty”, “Vampire”, “Bad Idea, Right?”, “Making The Bed”, “All-American Bitch”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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