Chemical Brothers: música eletrônica de lavar a alma
The Chemical Brothers – For That Beautiful Feeling
47′, 11 faixas
(Universal)
Ao ouvir este décimo álbum dos Chemical Brothers, fiquei com alguns grilos numéricos na cuca. São quase 25 anos de carreira, dez álbuns lançados – com este – e uma carreira a serviço de transformação da energia das raves da virada dos anos 1980/90 em excelência psicodélica e musical, com ares de futurismo, tudo traduzido em ótimas canções/criações no estúdio. Cada álbum trazia um verdadeiro time de colaboradores bacanas, ou seja, a cada trabalho, um pequeno evento sonoro. Verdade seja dita, não há um único trabalho de Ed Simons e Tom Rowland que não contenha, pelo menos duas ou três faixas sensacionais e inesquecíveis. Mesmo assim, com o passar do tempo, este gume futurista meio que se perdeu por conta da banalização pela qual a música eletrônica de grandes espaços passou. Com vistas a levar o baticum sintético adiante, surgiram artistas diluidores e inofensivos, com destaque para o francês David Guetta e mesmo o brasileiro Alok, que tornaram o estilo quase deserto em termos de possibilidades.
Os Manos Químicos, ao contrário, permaneceram fieis à ourivesaria de estúdio, ao artesanato de linhas de baixo e batidas contagiantes, mantendo a qualidade em bons álbuns. Este “For The Beautiful Feeling” forma, junto com o anterior, “No Geography”, de 2019, uma bela dupla para ser ouvida num dia de sol. As participações estão mais contidas aqui, se resumindo à presença de Beck (que já colaborou com os sujeitos em “Born In The Echoes”, álbum de 2016) em uma faixa e da cantora francesa Halo Maud, que aparece em duas canções. O clima é de busca por uma sonoridade que seja, ao mesmo tempo, eletrônica, psicodélica, pop e eficaz para grandes espaços, uma vez que os Chem Bros nunca foram artistas para pequenos shows, em lugares apertados. Desde a estreia, com o ótimo “Exit Planet Dust”, em 1995, e a ampliação de seu conceito, com o atemporal “Dig Your Own Hole”, dois anos depois, os Rowland e Simons buscam o som de estádio, uma rave de estádio, melhor dizendo.
A grande virtude presente aqui – e nos demais álbuns da dupla – é a genialidade de estúdio. Com ótimas sacadas, seja em sampling, arranjos ou mesmo na execução de linhas de baixo, batidões e do chantily psicodélico, os Chemical Brothers conseguem soar muito mais relevantes, sem apelar para DJ sets frouxos, covers de baixo nível e demais expedientes banalisantes. A música é original, híbrida, catártica e relevante, seja para quem ouve os álbuns com fones de ouvido, seja para quem está pulando na pista de dança como se o amanhã tivesse chegado. Neste setor, o álbum oferece uma sequência matadora de quatro faixas logo em sua abertura. Devidamente encadeadas, “Intro”, “Live Again”, “No Reason” e “Goodbye” fornecem combustível para grandes pulações, ao mesmo tempo que instigam o ouvinte de fones com detalhes maravilhosos. Por exemplo, a construção de clima no início de “Live Again”, com vocais entrecortados que vão sendo alcançados por uma massa de ecos, numa perseguição que vai dar origem à explosão propulsora da canção, precisamente no primeiro minuto.
Outro momento dourado é a maravilhosa, espantosa “Fountains”, que tem DNA notadamente hip-hop, mas de um outro tempo, possivelmente do fim dos anos 1980/90, com ótimo uso de batidas e efeitos, criando um groove sintético, pontuado por vocais desencarnados, que parecem vir de uma transmissão pirata que é sobreposta aos instrumentos. Logo em seguida vem o groove encardido de “Magic Wand”, que oferece novas possibilidades com boas batidas e baixo sintetizado e vocais femininos inesperados. A faixa com Beck, “Skipping Like A Stone” é mais climática e psicodélica, ainda que também tenha climas construídos em meio a sintetizadores que pairam no ar como Dadá Maravilha. Tudo isso para desembocar numa levada em alta velocidade, puro dejà vú disco funk atemporal. E o fecho, com a canção-título, e os vocais angelicais de Halo Maud, num lembrete de que os Manos Químicos, mesmo dançantes e sensacionais, têm seu grande débito com a psicodelia.
“For That Beautiful Feeling” é mais um ótimo álbum dos Chemical Brothers. Sua criatividade, bom senso, conhecimento musical e capacidade de executar ótimas ideias em estúdio são as qualidades que mantém a dupla no trono mundial da música eletrônica para grandes espaços. Não tem pra ninguém.
Ouça primeiro: “Fountains”, “No Reason”, “Live Again”, “Goodbye”, “Skipping Like A Stone”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.