“Ocean Child – Songs of Yoko Ono” 

 

 

Preciso começar este texto confessando que já fui jovem. E quando eu era jovem minha mãe tinha o Double Fantasy em vinil, e eu sempre ouvia pulando as faixas: John Lennon, legal. Yoko Ono, esquisita demais. Jovem tem muito o que aprender da vida, sabe?

 

https://www.oceanchildtribute.com

 

Ainda jovem, mas já com uns 20 e poucos anos, fiquei amiga do Johann Heyss, e eu não poderia começar um texto sobro o Ocean Child, o tributo a Yoko Ono que saiu no dia 18 de fevereiro, sem falar dele. Johann sempre foi fã, admirador e defensor do trabalho de Yoko Ono, e foi por causa dele que fui procurar conhecer melhor. Meu amigo me apresentou a um lado dela que eu não conhecia – uma grande artista, uma personalidade gigante, uma voz singular, uma mulher que se entrega 100% em tudo o que faz – em palavras, músicas e gestos.

 

Bom, aí vocês já sabem, passei a pular as faixas do John Lennon.

 

Dito isso, saiu o delicioso Ocean Child e eu tenho certeza que o CEL me chamou para comentar aqui no Célula porque nos últimos meses o hype de ‘Get Back’ (o documentário de quase 9h de Beatles ensaiando para o famoso show no terraço) botou Yoko novamente em evidência ao mostrar a conceituada artista acompanhando o então namorado no estúdio. Quieta, lendo seu jornalzinho, fazendo seu crochezinho, apaixonada pelo boy, interferindo ZERO no ensaio e derrubando de uma vez por todas o mito da Yoko Ono malvadona que acabou com a banda (provavelmente nascido de um misto de racismo e sexismo) – e eu comprei a treta.

 

De quebra, o final do primeiro episódio nos presenteia com uma baita performance dela tendo John, Paul e Ringo como banda de apoio.

 

Não que a mulher precisasse deles para qualquer coisa. Yoko já tinha uma carreira bastante sólida como artista visual, poeta, compositora, performer e ativista antes do namorado famosinho. 

 

 

Um tributo a Yoko Ono com os artistas que a gente ama não é novidade para quem acompanha sua carreira e sabe como ela é respeitada por quem entende de música e arte – não apenas por sua obra, mas por ser puro amor. Lembra em 2007, quando ela lançou o Yes, I’m a Witch, com participações de Peaches, Le Tigre, The Apples in Stereo, Cat Power, The Polyphonic Spree, Flaming Lips e um grande elenco cheio das nossas bandas preferidas? Ou em 2010, quando o Johann Heyss e o Marcelo Fróes produziram juntos o FABULOSO Mrs. Lennon, só com vozes femininas brasileiras, como Cida Moreira, Angela Ro Ro, Silvia Machete, Zélia Duncan, Fuzzcas, Mathilda Kóvak e muito mais. (faça-se um favor e ouça: https://g.co/kgs/TYaYms).

 

Eis que no dia 18 de fevereiro do ano da graça de 2022, em seu aniversário de 89 anos, sai o álbum “Ocean Child – Songs of Yoko Ono”, produzido por Ben Gibbard, do Death Cab for Cutie. E a primeira coisa que chama atenção é a seleção das músicas: com exceção da visceral “No, no, no” (me diz o Johann que foi lançada menos de um ano após o assassinato de John. Sabendo disso, o clipe é de cortar o coração), NENHUMA delas é “gritada”, experimental ou hermética demais. Todas são grandes canções, doces e poéticas, como o coração de Yoko Ono, que a gente sempre soube que era uma grande compositora – e que agora, finalmente, o pessoal do “não gosto dela gritando” pode ter a chance de conhecer.

 

(como se gritar fosse um demérito, mas não vou entrar nesse assunto agora)

 

Sendo assim, nenhuma surpresa o álbum abrir com a calma de Sharon Van Etten e sua versão para “Toyboat”, e emendar com a doçura da voz de David Byrne acompanhado do Yo La Tengo na linda “Who has seen the wind?”, baseada num poema da britânica Christina Rossetti – e aí eu tive que parar para chorar. É, pode acontecer. 

 

Se na canção original Yoko nos presenteia com elementos de música tradicional japonesa, Byrne e Yo La Tengo nos trazem, literalmente, a sensação do vento. Tem que ouvir para sentir. 

 

Para quem esperava algo mais “esquisito”, “experimental”, a versão da Thao Nguyen para “Yellow Girl (Stand For Life)” passou longe do jazzinho delícia da canção original (até que ficou bom); e “No, no, no” (aqui com o Deerhof) continua passando um certo incômodo.

 

Mas Yoko Ono é poesia, é doçura, é força – e é impossível não se deixar contagiar pela energia de “Waiting for the Sunrise” com o Death Cab for Cutie. 

 

Peguem seus lencinhos na tão emocionante como agoniante “Born in a Prison” (U.S. Girls); com o Stephin Merritt e sua voz de barítono cantando “Listen, the Snow Is Falling”; com o Flaming Lips mostrando todo o respeito pela Sra. Lennon; com a lindeza que é Japanese Breakfast interpretando de forma intimista a épica “No one sees me like you do” (talvez eu goste mais da original com o The Apples in Stereo); se acabe de chorar com o Yo La Tengo tocando a belíssima “There Is No Goodbye Between Us”; e deixe Amber Coffman te tirar da posição fetal com “Run Run Run” – enxugue as lágrimas e vá dar um passeio no parque. 

 

“Imagine mil sóis no céu ao mesmo tempo.

Deixe-os brilhar por uma hora.

Então deixe-os derreter gratualmente no céu.

Faça um sanduíche de atum e coma”.

  • Tunafish Sandwich Piece, Yoko Ono, primavera de 1964.

 

Colaborou Johann Heyss: Twitter | Bandcamp | Livros na Amazon

Lia Amancio

Lia Amancio trabalha com produção de conteúdo online desde que a internet era mato. Teve zine, teve banda, teve catapora quando era criança, só não teve ainda a sorte de ganhar na Mega-Sena. Mãe da doce Diana e ativista pela mobilidade urbana, Lia atende em www.liaamancio.com.br e em www.lounge42.com, e também pode ser vista por aí rodando bambolê e tocando ukulele - às vezes ao mesmo tempo. Pergunte-me como.

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