Tears For Fears lança um discaço após 17 anos

 

 

Tears For Fears – The Tipping Point

Gênero: Rock alternativo

Duração: 42:20 min
Faixas: 10
Produção: Tears for Fears, Charlton Pettus, Florian Reutter e Sacha Skarbek
Gravadora: Concord

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

“The Tipping Point”, o novo – e apenas sétimo – álbum do Tears For Fears em 39 anos de carreira, tem o inegável selo de composição e execução de Roland Orzabal e Curt Smith. O fã, no entanto, não deve ouvir suas dez canções com a esperança de encontrar aqui uma nova “Everybody Wants To Rule The World” ou “Shout” ou “Woman In Chains”. A dupla maturou muito ao longo dos anos, se tornou um par de artesãos sonoros de alto nível, com bom gosto e nível de detalhamento amplo. Ou seja, Orzabal e Smith não precisam – nem querem – se repetir e preferem exercitar suas habilidades com confecções de novos e novíssimos espécimes que conjuram influências que, mesmo depois de todos esses anos, eles ainda carregam consigo: o rock alternativo inglês dos anos 1980, devidamente tingido por doses generosas de pop perfeito via Beatles, sem falar em uma capacidade muito grande para se aproveitar de dotes vocais que ficaram intactos ao longo dos anos. Tears For Fears em 2022 é muito mais que o artista que surgiu lá nos anos 1980. Os caras evoluíram e parecem incapazes de fazer músicas ruins.

 

Este novo álbum foi adiado por conta da pandemia e também por vários motivos pessoais, entre eles, a morte da esposa de Roland Orzabal, Caroline, em 2017, com quem estava casado desde os anos 1980. A perda, ainda que tenha afetado diretamente o cantor, guitarrista e compositor, por outro lado, deu a ele as ideias e caminhos que procurava para começar a escrever várias canções de “The Tipping Point”, entre elas, a própria faixa-título. Mas tudo mudou na vida de Roland, hoje casado com a fotógrafa Emily Rath e bem feliz. Tudo isso contribuiu para que o disco fosse permeado por detalhes e situações que são, inegavelmente, vinculadas ao amadurecimento pessoal, algo que se reflete facilmente na produção artística. Sendo assim, não é errado dizer que o Tears For Fears que se apresenta com esta nova fornada de canções, é uma dupla muito mais madura, senhora de si e totalmente ciente do que pode realizar artisticamente. O resultado é evidente nas canções que estão aqui.

 

A tal faixa-título, também lançada como primeiro single, ainda no ano passado, já mostrava que estávamos diante de um trabalho muito cheio de teclados e artesania musical. Os detalhes, efeitos, usos de estúdio, tudo isso está presente em “The Tipping Point”, muito mais do que em trabalhos anteriores do grupo, até mesmo do super-produzido “The Seeds Of Love”, de 1989. O que soava como um movimento estudado e deliberadamente tomado naquela época, de forma forçada, para alguns críticos do duo, agora é absolutamente natural e inevitável. Não há facilidade de refrões e linhas melódicas simples. Paradoxalmente, tal fato não compromete na fruição das canções, tudo é muito bem feito e naturalmente pop, naturalmente bem feito. Os outros dois singles, “No Small Thing” e “Break The Man” não poderiam ser mais diferentes. A primeira é uma canção simples, quase folk, bela e de melodia muito bem pensada, enquanto a segunda é uma dessas gravações que trazem a marca da dupla. As vozes, o arranjo tecnopop orgânico, tudo está presente para que a canção corra em paz, num caminho de belezura total.

 

Mas há pelo menos três outras faixas excelentes aqui. “Long, Long, Long Time”, com ótima atuação vocal de Curt Smith, é um épico de quatro minutos e meio, que vai se desenvolvendo de forma subentendida, explodindo em refrão e melodia irresistível, sem apelar para expedientes dançantes ou facilitadores. “End Of Night”, já lá pro fim do álbum, é uma clássica canção pop, com DNA que remonta ao pop oitentista e ao pop sessentista sem qualquer erro. Os vocais dobrados, o arranjo de teclados, baixo e bateria, tudo é perfeito e vai dar na gravação mais arejada e dançante do disco, ainda que sua letra não seja nada banal. “Masterplan” é uma remanescente do Tears For Fears beatlemaníaco e tarado por peripécias no estúdio. Tem vocais ocultos, instrumental baseado em piano, várias texturas de sonoridades, ótimos vocais de Orzabal, com a mesma marca registrada de tempos idos. Nada sai dos trilhos por aqui.

 

“The Tipping Point” é um disco que vem aplacar a sede dos fãs do duo, que não fazia nada de inédito desde o ótimo disco anterior, “Everybody Loves A Happy Ending”. A julgar pela relação entre os dois trabalhos – e com os outros, lançados anteriormente, é inegável perceber a evolução que Orzabal e Smith vivem como artistas. Seu trabalho deixou o pop “comercial” e adentrou as alamedas do mais excelente pop artístico e atemporal. Coisa séria.

 

Ouça primeiro: “Master Plan”, “The Tipping Point”, “End Of Night”, “Long, Long, Long Time”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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