Banda argentina confirma excelência em novo álbum
El Mató A Un Policía Motorizado – Super Terror
40′, 10 faixas
(Independente)
A campanha de Leonel Brizola nas eleições presidenciais de 1989 tinha um slogan: “quem conhece o Brizola, vota no Brizola”. Era uma forma do candidato, que já governara os estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, mostrar-se como opção viável para eleitores de fora destes lugares. As bandas e demais artistas argentinos, de um modo geral, merecem lema semelhante em um lugar enorme e sem noção como o Brasil, visto que, na maioria das vezes, têm obras sensacionais e praticamente desconhecidas por aqui. Se gente mais clássica e cascuda como Soda Stereo e Fito Paez – para citar gente bem conhecida continentalmente – ainda precisam de apresentação por aqui, o que dirá o El Mató A Un Policía Motorizado, que “só” tem uma carreira de vinte anos? Felizmente, a afirmativa do início do parágrafo não é totalmente válida para esta formidável banda de La Plata, nos arredores da cidade de Buenos Aires. Depois de uma heroica excursão ao Brasil, realizada no início dos anos 2010, o El Mató se tornou um pequeno tesouro no gosto das pessoas mais antenadas com a boa música. Agora, 2023, com um Grammy Latino de Melhor Disco de Rock nas costas – conquistado pelo trabalho do ano passado, “Unas Vacaciones Raras”, o grupo vem com um novo e ótimo trabalho: “Super Terror”.
Este é um trabalho – o décimo da banda – sobre a incerteza do futuro. Afinal de contas, o que pode vir depois de um evento histórico como a pandemia da covid-19? Assim como ansiamos pela chegada de novos tempos, também sentimos medos e dúvidas, algo bem humano e normal. Falar sobre isso pode ser uma tarefa ingrata, mas o grupo consegue soluções muito harmoniosas e, sob a ótica de pessoas que vivem na Argentina, tecem esse panorama duvidoso, porém temperado pelo surpreendente advento da conquista da Copa do Qatar, no fim do ano passado. Não por acaso, a banda adiantou o single “Medalla de Oro”, feito como uma forma de celebrar o ocorrido e a dualidade entre o clima de euforia, que pode ser usado até como um fator alienante em meio à crise econômica pela qual o país passa. Santiago Motorizado, líder da banda, fez uma declaração sobre o processo criativo do álbum e sua execução:
“Este disco levou muito tempo para ser finalizado. Para começar, envolveu três viagens ao
estúdios Sonic Ranch, no Texas, e embora tivéssemos um norte, o álbum acabou acontecendo mesmo durante as sessões de gravação. Musicalmente poderíamos dizer que o álbum mistura daquela coisa luminosa que a gente ouvia na rádio nos anos 1980 com o que descobrimos depois, esse outro mundo, alternativo e dark, quando já estávamos quase adultos”.
De fato, a pegada sonora do disco é bem equilibrada entre as influências dos anos 1980 e o padrão do rock alternativo anglo-americano vigente, mas com o toque pessoal do grupo, especialmente nas melodias, que são, quase todas, lindas. A trinca de singles é matadora, sem trocadilho: “Tantas Cosas Buenas” tem uma levada universal de pop, que remete a “Everybody Wants To Rule The World” (dos Tias Fofinhas) e a “True Blue” (de Madonna), mas com um jeitão de canção redentora e conformada com a inexorabilidade do tempo. “Diamante Roto” é outra lindeza máxima, com arranjo moderníssimo que evoca o Strokes inicial, com guitarrinhas em harmonia e uma ótima linha de baixo. “Medalla de Oro”, que tem o tricampeonato portenho no Qatar como o tema norteador, contrapõe as alegrias fugazes ao painel do tempo, reduzindo, ou melhor, expondo seu real valor.
Mais para o final do percurso sonoro, “Super Terror” ainda guarda duas pérolas inestimáveis: “El Número Mágico”, que tem uma levada derivada de The Killers, mas totalmente depurada das afetações da banda americana, preservando a bela melodia e os timbres oitentistas – que evocam New Order – em equilibrio perfeito. E o fecho, com “El Profeta de Fuego”, é a canção catártica perfeita para fechar um belo álbum, com um uso de teclados e ritmos que lembra “Blue Monday”, também do New Order. A banda deixa o ouvinte com a energia lá no alto, certamente querendo e precisando de mais. “Super Terror” é um discaço, universal, ótimo, bem feito, com músicas muito, muito boas. Tem tudo para ser um sucesso global.
Ouça primeiro: “Medalla de Oro”, “El Número Mágico”, “El Profeta de Fuego”, “Tantas Cosas Buenas”, “Diamante Roto”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.