O veludo sonoro da Weather Station

 

 

The Weather Station – Ignorance

Gênero: Pop alternativo

Duração: 40 min.
Faixas: 10
Produção: Tamara Lindeman
Gravadora: Fat Possum

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Eu não tinha ouvido falar em Tamara Hope ou Tamara Lindeman. Tampouco na banda que ela tem, Weather Station, a proverbial “estação meteorológica”. Dei de cara com a sonoridade que a moça pratica naquele acaso algorítmico que define alguma parte da nossa realidade pós-contemporânea, via streaming. A sugestão veio ali, de mansinho e eu resolvi dar a chance. “Robber” era a canção escolhida pelos números para, numa fração de segundo, me capturar a atenção para sempre ou, quem sabe, jamais voltar a ouvir algo feito por Tamara. Pois bem, o amor foi imediato. Veio uma sonoridade que lembra, ao mesmo tempo, o Roxy Music fase “Avalon” e o Fleetwood Mac pós-“Rumours”, ou seja, uma lindeza aveludada e revestida de elegância. O toque contemporâneo vem do clima de “downsizing” de produção, ou seja, ainda que as inspirações sonoras sejam de bandas que desfrutaram de produções elegantes e marcantes para afirmar seu som, “Robber” não mostrava isso, pelo contrário, misturava certa pegada lo-fi ao todo, mas foi o suficiente para me ganhar.

 

A partir dela, fui pesquisar de quem se tratava e de que disco vinha. Cheguei em “Ignorance”, um álbum lançado na última sexta, dia 05 de fevereiro, o quarto da carreira da banda. Ao contrário dos antecessores, ele marca o abraço a esta sonoridade mencionada acima, um novo momento, bem diferente das ambiências folk-rock dos álbuns anteriores. Tamara, com sua voz peculiar, era capaz de ecoar Joni Mitchell até então, mas agora está com um registro mais grave e contido, algo bem diferente e, confesso, mais original. E ainda há um revestimento conceitual em “Ignorance”, que é fruto do isolamento – espontâneo e promovido pela pandemia – no qual Tamara foi pesquisar a ação do homem sobre o meio ambiente de uma forma mais, digamos, séria. E o disco veio como consequência direta disso, com o título já entregando exatamente o que a moça concluiu a respeito do seu objeto de estudo. As letras, a abordagem sonora, tudo faz de “Ignorance” um disco muito instigante, interessante e, especialmente para fãs anteriores do grupo, surpreendente.

 

Há vários arranjos intrincados ao longo das dez faixas de “Ignorance”. Por isso não dá pra dizer que ele é um álbum lo-fi, pela complexidade de suas sonoridades e ambiências,sem falar no uso de teclados, pianos e saxofone em várias passagens. É só mais um toque no painel musical. “Robber”, a tal faixa que me ganhou imediatamente e que abre o álbum, evolui desse som “aveludado” para improvisações e liberdades que podem ter certo parantesco com o jazz, terminando um jorro sonoro. “Atlantic”, que vem logo em seguida,aproveita a batida aerodinâmica – que também lembra bandas como Blue Nile ou mesmo Prefab Sprout – e se lambuza no mundo maravilhoso dos timbres de teclado, violinos etudo mais. “Tried To Tell You” também é assim, com uma belezura de crescendo de cordas ao longo da melodia, que é pontuada pela voz – agora – grave e interessantíssima deTamara. Para continuar em terreno fleetwoodmáquico, ela tem certa semelhança com Christine McVie.

 

Todo o conteúdo musical de “Ignorance” tem pegada pop. As melodias e arranjos, ainda que tenham charme e belezas ocultas, jogam a favor da fluência e da simplicidade na hora de cantar as letras. Tudo gruda com certa facilidade e a gente fica admirado como as faixas podem soar parecidas mas decisivamente diferentes ao mesmo tempo. E tudo tem aquele parentesco com o pop elegante e luxuoso dos anos 1980, que chegou a ser chamado como sophistipop. Pegue, por exemplo, o riff de piano de “Parking Lot”, que vai a velociadade bem alta; ou os teclados que fazem o acompanhamento básico de “Loss”, ou,ainda, percussão sintetizada de “Heart”, tudo reverbera esse acordo tácito com um pop altamente eficiente. E quando propõe quebra nessa lógica, especialmente nas baladaças”Trust” e “Subvdivisions” (totalmente levadas por piano), Tamara/Weather Station tem elegância e domínio do uso do pop e das influências.

 

“Ignorance” é um disco extremamente bem resolvido. E viciante. Tamara Lindeman ergueu um mundo sonoro à parte, algo que ressoa um passado pouco lembrado, trazendo-o para o presente com propriedade e conhecimento de causa. E ela nem precisava ser a baita compositora e cantora que demonstra ser ao longo dessas dez canções. Um disco enorme e sensacional.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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