O som límpido de Rafael Drumond

 

 

Em meio às tarefas de um gari no Rio de Janeiro, Rafael Drumond encontra tempo para lutar contra o preconceito que ainda existe sobre a profissão da qual muito se orgulha (com toda a razão), compor sambas, participar de disputas nas escolas e ir além: ele acaba de lançar Um Pouco Mais, single em que testa seu talento com uma canção que flerta com o pop, a MPB e o chamado charme, a soul music carioca, interpretada com a cantora Mari Antunes e disponível nas plataformas digitais.

 

À Coluna Coringa, Rafael conta como faz isso tudo e segue sua jornada, com amor à vida e à maior festa popular do planeta.

 

 

Coluna Coringa – Fale um pouco do single. De onde surgiu a ideia e a inspiração para Um Pouco Mais?

Rafael Drumond – Senti uma necessidade de dar uma repaginada na minha abordagem musical, principalmente em se tratando de letra. Daí escutei a canção Ouvi Dizer, da Melim, me apaixonei pelo jogo de palavras da letra e decidi desenvolver algo na mesma linha. Assim nasceu Um Pouco Mais, sob a luz dessa influência, mas aliada ao meu jeito particular de compor.

A gravação contou com Evaldo Guimarães na produção, contrabaixo e guitarra, Lucas Lopes como auxiliar do estúdio e produtor audiovisual, Josias Franco no trompete e Mari Antunes na voz comigo.

 

 

CC – E a parceria com Mari Antunes, como surgiu?

RF – Na verdade sou um compositor que gosta de cantar, ciente de que sei “desenrolar” interpretando, mas também de que tenho minhas limitações, principalmente quanto ao impacto de voz e timbre. Um Pouco Mais exige uma “chutada de balde” no bom sentido, daí me veio o nome da Mari na cabeça, uma cantora de samba que tem talento e potencial para passear por outros gêneros. Essa soma dos dois estilos de interpretação foi citada como o ponto alto do projeto pelos amigos que tiveram a oportunidade de ouvir a canção antes de ser lançada e agora também, com ela nas plataformas digitais.

 

 

CC – Com essa música você vai além da composição de sambas…

RF – Sim, é uma canção pop, com o sotaque do charme carioca dos bailes. Tenho inúmeros outros trabalhos além dos relacionados ao samba e sempre que possível farei questão de mostrar essa minha face menos conhecida para quem curte minha trajetória.

 

 

CC – Por falar nisso: quando você começou a compor?

RF – Ganhei meu primeiro concurso de samba às vésperas de completar 14 anos, para um bloco que existia onde morei, em Bangu, o Bloco do Burro, numa final contra o meu pai, que era um grande compositor, mas que, por estar bêbado, esqueceu a letra do próprio samba na final, e eu acabei levando. Se ele estivesse bom eu não teria a menor chance (risos)!

Daí o tempo foi passando e logo comecei a tocar violão, depois cavaquinho, e assim foram surgindo muitos incentivadores. No começo, a família e vizinhos eram meus conselheiros, verdadeiros heróis (risos)! Depois fui me lapidando, buscando as minhas referências, me tornei figurinha fácil nas disputas de sambas para blocos, inclusive tenho um samba vitorioso no concurso do bloco Desliga da Justiça de 2015, que fala dos 450 anos do Rio de Janeiro.

Nessa jornada tenho grandes parceiros, aos quais sou muito agradecido, como Fabrício Mattos, Renato Freitas, André Pimentel, o Dedé, e Tiãozinho da Mocidade, autor de sambas vitoriosos da Mocidade Independente de Padre Miguel, escola onde concorro todo ano. Aqui no nosso papo não vou lembrar-me de todos os parceiros e apoiadores, mas fica minha gratidão e meu obrigado a quem não citei! E a música, assim como o meu amor pela Mocidade e pelo Vasco da Gama, foram válvulas de escape durante parte da minha adolescência e me salvaram de inúmeros conflitos internos, conflitos de um jovem que sofreu muito por conta de questões relacionadas ao alcoolismo e à ausência do meu pai, que veio a falecer no mesmo ano da final de samba do qual saí vencedor na disputa contra ele.

Essa trajetória ligada à música e ao samba me orgulha muito, independente do fato de ser ou não um artista consagrado na cena musical, pois a música salva, e comigo não foi diferente.

 

 

CC – Fale também da sua profissão de gari, uma das mais importantes para a vida em sociedade.

RF – Tenho muito orgulho dessa profissão e posso atribuir minha estabilidade financeira ao meu emprego, que me dá tranquilidade para continuar dedilhando meu o violão e compondo. Infelizmente, pessoas que dependem do mercado de trabalho de massa não podem se dar ao luxo de viver de arte, por conta das inseguranças do nosso país e da maneira cada vez mais cruel com que tratam os trabalhadores brasileiros.

 

 

CC – Existe música no seu dia a dia como gari? Onde o artista e o profissional de limpeza se encontram?

RF – Por mais de uma oportunidade levei minha música para campanhas da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho da Comlurb (Nota do colunista: Companhia Municipal de Limpeza Urbana, empresa de economia mista da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. É a maior organização de limpeza pública na América Latina) e para a celebração pelo Dia do Gari, comemorado em 16 de maio. Em uma dessas apresentações conheci o grande Renato Sorriso, o gari mais famoso do mundo, com quem fiz uma bela amizade!

 

 

CC – Você enfrenta preconceito no seu dia a dia?

RF – O preconceito é fruto da falta de informação, da falta de conhecimento. Dois dos preconceitos com os quais lido frequentemente são o fato de ser gari e precisar provar que não sou um semianalfabeto que acabou em uma empresa de limpeza urbana por falta de opção. Costumo dizer que se antigamente quem não estudava “acabava” como gari, ou lixeiro, hoje quem não estuda nem gari consegue ser. Temos muitos garis com poder intelectual privilegiado na nossa companhia, que atuam nas mais diversas áreas da cultura, do esporte e do entretenimento.

O outro preconceito é o fato de ser um artista e não ser consagrado, famoso e rico. Infelizmente ainda tem muita gente que acha que artista é sinônimo de celebridade. Isso é muito chato, mas sempre que possível eu procuro ensinar a quem se propõe a bater dois dedinhos de prosa comigo.

 

 

CC – Como tem sido seu trabalho como gari e sua produção musical durante a pandemia?

RF – Todo cuidado é pouco em tudo né, principalmente nos transportes públicos, seja pra ir ou pra voltar do trabalho. Fora isso, tomamos todas as precauções no dia a dia da labuta.  Quanto à criação, eu compus um pouco abaixo da média em 2020, geralmente componho umas 10 músicas por ano, ano passado fiz cerca de oito canções… Mas no início da pandemia, nós, da ala dos compositores da Mocidade, começamos a fazer sambas falando de temas sugeridos no grupo de WhatsApp da ala. Fizemos uns quatro sambas nessa pegada e acabamos gravando um CD, e cada um escolheu um samba para fazer parte da coletânea. Minha contribuição chama-se Cantar Samba é o que Preciso, interpretada por mim e pelo grande amigo Wagner Canarinho.

 

 

CC – Ainda sobre esse tema: como é seu processo de composição?

RF – No meu caso não tem exatamente um ritual ou uma receita. A ideia para uma música pode surgir tanto por conta de uma ideia melódica tocando violão ou cavaquinho como pode surgir por intermédio de uma frase que surge em cima de uma árvore, por exemplo, durante a jornada de trabalho. É uma doideira (risos)!

 

 

CC – Bacana! E o que você acha do cancelamento do carnaval esse ano em julho?

RF – Foi uma medida prudente e respeitosa com as pessoas, com a situação do país e com o Rio de Janeiro. É claro que a gente se comove quando paramos pra pensar nos profissionais envolvidos no espetáculo como costureiras, escultores, ferreiros, soldadores etc., mas não há alternativa de realizar a festa sem a vacinação plena da população. Quem em 2022 a gente possa realizar um carnaval com glamour, alegria e saúde para todos, uma folia consciente e responsável.

 

 

CC – Uma mensagem final pra quem vai ler esta coluna?

RF – Gostaria de deixar uma mensagem de otimismo para todos que vierem a ler esse bate papo. Momentos difíceis sempre virão e isso não pode ser diferente. Mas as adversidades surgem para que a gente reflita e chegue à conclusão de que tudo provém das nossas escolhas, e que por mais que um caminho possa não parecer o mais fácil e sedutor num primeiro momento, é ele que vai nos levar à vitória. Quando a gente lembra dos percalços superados, a gente aprende a dar o devido valor a cada conquista que alcançamos nessa vida.

Celso Chagas

Celso Chagas é jornalista, compositor, fundador e vocalista do bloco carioca Desliga da Justiça, onde encarna, ha dez anos, o Coringa. Cria de Madureira, subúrbio carioca, influenciado pelo rock e pela black music, foi desaguar na folia de rua. Fã de poesia concreta e literatura marginal, é autor do EP Coração Vermelho, disponível nas plataformas digitais.

7 thoughts on “O som límpido de Rafael Drumond

  • 23 de janeiro de 2021 em 15:02
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    Parabéns meu amor, vc é um guerreiro , talentoso e um composior maravilhoso.

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  • 22 de janeiro de 2021 em 20:49
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    Valeu amigao torço por vc , a caminhada é longa mas não impossível ,seja perseverante e não desista do seu sonho.
    Abraço.
    .

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  • 22 de janeiro de 2021 em 14:59
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    Parabéns!!! Como já disse, vc além de talento, tem muita força de vontade!! Q Deus abençoe cada vez mais sua caminhada

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  • 22 de janeiro de 2021 em 13:12
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    Rafael sempre guerreiro merece tudo de bom e maravilhoso no caminho de sua vida e trajetória parabéns meu irmão

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  • 22 de janeiro de 2021 em 12:35
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    Tenho muito orgulho de fala q meu primo e um grande compositor Deus tem um propósito na sua vida te amo

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  • 22 de janeiro de 2021 em 12:08
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    Rafael, Você é um exemplo irmão, guerreiro de verdade. Te desejo muito sucesso!

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    • 22 de janeiro de 2021 em 23:34
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      Sempre acreditei e continuo acreditando que em breve o Brasil inteiro conhecerá o seu talento Rafael!
      Parabéns por sua atitude e dedicação,para iniciar a concretização de um grande compositor!
      O sucesso está sorrindo pra vc!
      Forte abraço.

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