Mahmundi volta aos synths em novo álbum

 

 

 

 

Mahmundi – Amor Fati
35′, 10 faixas
(Universal)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

“Amor Fati”, novo trabalho da cantora e compositora carioca Mahmundi, tem dez faixas, sendo um remix e duas regravações. É pouco, se pensarmos bem. Porém, ao terminarmos a audição do disco, não há qualquer sensação que dê conta disso, pelo contrário. O título alude a uma expressão em latim muito usada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche e que significa “amor ao destino”. Quer dizer, mais ou menos, que a gente deve abraçar o que o imponderável nos reserva, independente do que virá. Sendo Nietzsche um pessimista, a expressão ganha ares pra lá de sombrios, mas isso não vem ao caso. Mahmundi a interpreta como alguém que se sente forte o bastante para encarar desafios e vencê-los. Em termos musicais, desde que surgiu há onze anos, sua música se mantém como uma das mais interessantes feitas no país, assumindo influências oitentistas e uma carioquice há muito deixada de lado.

 

 

Este novo álbum marca o reencontro de Mahmundi com os sintetizadores e com uma “eletrônica humanizada”, como diz o release, termo muito feliz para definir a sonoridade dela. Radicada atualmente em São Paulo, nascida em Marechal Hermes há 36 anos, a artista está interessada em revestir de novidade o seu som, sem perder de vista esses elementos primordiais. Há melodia, há carioquice não-pentelha, há composições de alto nível e essa preocupação com timbres e detalhes, algo que faz muita falta ao imediatismo pop atual. Mahmundi tem toda essa cancha sem lançar mão de expedientes que turvem a audição de suas canções. Ela deixa a coisa fluir, na busca desse sentimento de verão meio inexplicável mas que a gente experimenta quando ouve suas criações.

 

 

“Amor Fati” tem algumas canções realmente bacanas. Como dissemos lá em cima, a artista apresenta aqui sete músicas inéditas, mais as regravações de “Versos não” (composta e gravada por Qinho) e “Meu Amor” (dela e de Roberto Barrucho, gravada em 2017) e o remix de “Sem Necessidade”, fruto de uma parceria com o gaúcho Felipe Puperi, também conhecido como Tágua Tágua. A canção, uma das melhores do álbum, tem a melodia cristalina e o arranjo dialogando com formas híbridas de r&b e trip hop, além de uma letra bem bacana, que abre com os versos “sem necessidade de fingir, que não tenho o bastante pra ficar, eu sei que você gosta de estar aqui” e deságua em belezura: “vem, baixa a guarda e vem, você sabe que a gente junto é algo que sempre cai bem”. “Pera Aí” é outro exemplo de ótimo uso da eletrônica e dos timbres sintetizados, que vão envolvendo a melodia que Mahmundi oferece com um canto forte e quente, que soa esvoaçando numa caminhada triste e noturna pela orla de alguma praia ideal. A letra, novamente, um ponto alto por aqui, tem versos ótimos como “ninguém me falou, eu vi e quando vi, eu ri pra não chorar” ou “e bem que eu aprendi enquanto você errava” ou ainda “você não presta atenção, eu já te disse, eu te desejo tudo de bom, a gente não vai discutir e a primeira é deixar, é deixar você”.

 

 

Mesmo que os arranjos esbanjem fluência nos timbres sintetizados, as canções mais novas surgiram ao violão, na guitarra ou no laptop, e foram tomando forma a partir da troca com Pedro Tie, que assina como codiretor de produção, coautor da maioria dos arranjos e também parceiro mais frequente de Mahmundi no disco (em “Noites Tropicais” e em três outras faixas). “Noites” é outro destaque do álbum, um raro momento mais voltado para um sofrimento aceitável, um desejo possível: “noites tropicais, sem tédio, noites naturais pra te ter aqui”. E “Versos Não”, uma das regravações, é, talvez, a canção com mais identificação com essa tal carioquice que mencionamos. O riff de guitarra se origina de um híbrido de jazz com Black Rio e a melodia, de alguma forma, serve de moldura para uma letra que enuncia as conversas soltas sobre um relacionamento que existe-mas-não-existe, daqueles que não decolaram apesar de contemplar amor. É sutil e belo.

 

 

Mahmundi está se preparando para viajar pelo país com um novo show. Aos 36 anos, ela é uma das mais interessantes artistas brasileiras em atividade. Se ela passar por sua cidade, não a perca.

 

 

Ouça primeiro: “Sem Necessidade”, “Versos Não”, “Noites Tropicais”, “Pera Aí”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on “Mahmundi volta aos synths em novo álbum

  • 18 de maio de 2023 em 10:37
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    Obrigado a você Carlos pelas ótimas resenhas…..o problema é que nunca me rendi as músicas nas “nuvens ” hahaha…só ouço músicas em mídia física (cd/lp)…e assim permanecerei …assim como apreciador da boa música, também sou colecionador. Abs.

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  • 16 de maio de 2023 em 13:06
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    Que pena…adoro os 2 primeiros discos e tenho os CDs, mas como infelizmente não sai mais mídia física nesse país nem ouço ela mais. Então me contentaria com os CDs que tenho…”para dias ruins” é ótimo….

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    • 17 de maio de 2023 em 07:10
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      Opa, Marcos. Sim, é uma tristeza que não tenhamos mais lançamentos regulares em mídia física, porém, não deixe de ouvir os artistas por conta disso. Os dois discos subsequentes da Mahmundi são ótimos.

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