O novo Batman é sensacional

 

 

Por mais que o Batman seja um herói arquetípico e com muitas camadas para serem destrinchadas, acho que já tivemos filmes demais sobre ele. Mesmo assim, quando surge uma nova versão do Homem-Morcego na telona, é impossível conter a curiosidade em ver se Hollywood acerta ou erra a mão na composição da história e do personagem. Se já tivemos fimes demais – os dois de Tim Burton, os dois de Joel Schumacher, os três de Christopher Nolan e os que Zach Snyder dirigiu na tentativa de trazer a marca DC para o cinema com a mesma força da Marvel. E cada bloco, cada diretor, cada abordagem trazia aspectos distintos do Batman, ora mais realista, ora mais fantasioso, ora mais sombrio, ora mais cartunesco. Pessoalmente prefiro as versões que trazem o personagem para o plano humano, no qual ele é apenas um homem por trás da máscara, lidando com todos os dilemas do anonimato, da tristeza pela perda dos pais precocemente, pela solidão e pela raiva-desejo de vingança e, nesse ponto, a trilogia de Nolan me parece conter os melhores momentos do herói na telona, porém, este novíssimo longa, dirigido e roteirizado por Matt Reeves, se coloca como um seríssimo candidato a ser a mais bem acabada leitura do Batman desde 1989.

 

Confesso que os primeiros boatos sobre este filme não animaram. A escolha de Robert Pattinson para o papel também pareceu equivocada e, provavelmente, é um dos grandes acertos da produção. Pattinson há muito não é o ator que interpretou o vampiro glitter de “Crepúsculo”, e sim o cara que pega papeis impressionantes como em “O Farol” e mesmo a ponta que fez em “Tennet”, ou seja, virou um baita ator, com um estilo próprio e desejo de ousar. Sua versão do milionário Bruce Wayne é muito boa, enfatizando os primeiros anos dele como vingador mascarado, lidando com as perdas familiares e a depressão profunda trazida pela solidão e pela falta de propósito. Se ele vai para as ruas com o traje de Batman, é mais para exorcizar seus demônios sob o manto do anonimato do que dar a uma decadente e aprodrecida Gotham City algum tipo de ordem. A cidade, aliás, uma das mais certeiras metáforas para a sociedade capitalista contemporânea, é um lixão a céu aberto neste “Batman”. Todo mundo parece ser corrupto ou corruptível, não sendo claro se os mais perigosos estão contra ou a favor da lei.

 

Em meio a este cenário desolador, vários assassinatos de pessoas importantes da cidade começam a acontecer, começando pelo prefeito. Tudo é misterioso e tem conexões inegáveis com o passado recente de Gotham, especialmente com a família Wayne, cujo patriarca, Thomas, pai de Bruce Wayne, concorreu à prefeitura com um programa de ajuda aos mais pobres, chamado “Renovação”. A partir de seu assassinato – nunca resolvido – a cidade degringolou como nunca, com ondas e ondas de crimes e caos social. Ao lado do Tenente Jim Gordon (vivido pelo sensacional Jeffrey Wright), Bruce/Batman vai entrar em contato com vários tipos sinistros e iniciará a decodificação das mensagens deixadas pelo assassino misterioso. No meio das investigações ele encontra Selina Kyle (Zoe Kravitz, ótima), com quem desenvolverá uma relação de admiração e cooperação. Além dela, Batman encontrará o Pinguim (um irreconhecível e espantoso Colin Farrell), o mafioso Carmine Falcone (John Turturro, excelente) e, por fim, vai topar de cara com o meu vilão preferido das histórias em quadrinhos, o inigualável Charada, que surge interpretado de forma alucinada e alucinante por Paul Dano.

 

Tudo é escuro, noturno e desolador neste “Batman”. As cenas são impressionantes, as coreografias, espantosas e o elenco todo está atuando muito bem. Mesmo com este time de estrelas em plenos poderes, Pattinson nunca é eclipsado com seu Bruce Wayne quase gótico, talvez com uma aparência que cairia bem num longa de … Tim Burton. O fato é que, além de todos os detalhes sensacionais, este longa mostra um herói ainda em construção. Seus recursos tecnológicos são limitados, não há luxo no Batmóvel e nem geringonças mil. Alfred, vivido aqui pelo inglês Andy Serkis, numa rara aparição em carne e osso, visto que ele é especialista em personagens constituídos a partir de efeitos especiais, está longe de ser o guardião de Bruce, não passando de um homem amargurado e atormentado pelas tarefas que caíram em seu colo e a culpa pela morte do patrão. Tudo isso é amarrado por uma trilha sonora maravilhosa, minimalista, porém presente o tempo todo, criada pelo compositor Michael Giacchino. Duas canções têm pmapel destacado na trilha: “Ave Maria”, do compositor francês Gounod, e “Something In The Way”, faixa menos badalada de “Nevermind”, segundo disco do Nirvana. Elas costuram os atos e detalhes de forma muito engenhosa, dando ao filme mais uma camada de profundidade.

 

O trabalho de Matt Reeves como diretor e roteirista é inestimável. Ele conseguiu rodar um “Batman” inigualavelmente sombrio, até noir, eu diria, com a impressão de que teve poucos recursos e orçamento, enfatizando a engenhosidade do roteiro – que ele também escreveu – e apontando novas direções para um personagem que parecia esgotado. Mais que um filme de herói, este “Batman” é um thriller policial de primeira qualidade, parente distante de grandes longas dos anos 1970, como “Chinatown” ou “Bullitt”. Uma gratíssima surpresa. Não deixe de ver.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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