The Who – The Who
Gênero: Rock
Duração: 57 minutos
Faixas: 14
Produção: Pete Townshend e David Sardy
Gravadora: Polydor
Rapaz, o The Who é uma instituição do século 20. Quando lidamos com artistas assim, das duas, uma: ou nos metemos a desconstruir o mito e azucrinar com o trabalho que estamos criticando … ou … nos encolhemos, humildes, admitindo que não temos condições de emitir opinião sobre alguém tão importante. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Estamos, sim, diante de uma banda mitológica, tão grande quanto Beatles e Rolling Stones, mas que, graças ao manejo do tempo – incluindo aí a própria boa vontade deste – manteve-se capaz de lançar discos. No caso do Who isso soa até falso, uma vez que este novíssimo álbum, “The Who” é o primeiro que Roger Daltrey e Pete Townshend soltam desde 2006. E, de lá – quando lançaram “Endless Wire” – a banda não lançava nada desde … 1982. Então, em 37 anos, o The Who só lançou dois discos de música inédita, não se furtando, no entanto, a soltar inúmeras compilações de hits e shows ao vivo. Sendo assim, se temos 14 músicas novas deles na praça, o dever nos obriga a prestar muita atenção.
A primeira notícia que sai da audição das faixas: “The Who”, o disco, é bom. Não é nada – nem pode ser – nos mesmos moldes do que a banda fez no passado, mas também está longe de ser uma jogada de marketing, até porque, Townshend não é o tipo de pessoa que precise disso. Ele continua sendo a mola-mestra criativa da banda, na qual, além de Daltrey, estão músicos de envergadura moral inquestionável, desde Zac Starkey, na bateria, passando pelo irmão mais novo de Pete, Simon, nas guitarras, e Pino Palladino, no baixo. Além deles, há gente nova no barco: Benmont Tenche toca teclados, Joey Waronker e Carla Azar tocam bateria. O som que essa galera faz é, bem, tipicamente The Who, mas não pretende voltar a um passado que só revisitam ao vivo.
O disco é fresco e totalmente sintonizado com 2019.Isso não quer dizer que o The Who soa como o Tame Impala ou como a Taylor Swift. São septuagenários dando seu ponto de vista sobre o que é o mundo hoje, se valendo de suas experiências para isso. E tal fato dá a eles um raríssimo ponto de vista, num tempo em que a experiência é sistematicamente desprezada em favor de uma capacidade de parecer novo e pronto para tudo. O The Who dá uma cusparada em cima desta e de outras lógicas furadas da vida do século 21. Townshend quer – e pode – cutucar o sistema e fazer piadas de humor duvidoso com sua própria velhice, afinal de contas, ele meio que inventou essa coisa de rock’n’roll em seu tempo e quebrava guitarras quando isso não era apenas estilinho.
Se o Who era composto por pessoas ranzinzas e esporrentas no seu tempo, tornou-se um grupo liderado por dois velhos mal humorados. Eles atacam com autorreferências em vários momentos. Por exemplo: “I Don’t Wanna Get Wise”, o terceiro single do álbum, tem um quê de “Substitute” em sua levada. “Ball And Chain”, a primeira faixa do disco a ser divulgada, tem o fraseado de piano tradicional da banda. “Detour” ecoa algo de rock básico à la “My Generation” em algum ponto de seu arranjo. Mas aí vem o inesperado e bem-vindo: “Beads On One String” é uma balada exuberante, com teclados oitentistas e arranjo feito para ser entoada por multidões em estádios. Um certo clima eletrônico paira em alguns momentos, mas dentro da engenharia dos arranjos, discreto. É o caso de “Street Song”, que, apesar disso, tem a pinta de canção setentista da banda.
Outra balada surge no meio do álbum: “I’ll Be Back”, que, se não estivesse escrito, poderia ser de Paul McCartney em seus bons dias. O arranjo de cordas, as alterações de andamento no meio da canção, é tudo muito bem feito e pensado. “Break The News” é canção sessentista em arranjo acústico, com palmas e percussão. “Rockin’ In Rage”, apesar do título, também revisita o passado setentista do Who. “This Gun Will Misfire” tem um bom trabalho de teclados em meio a um arranjo com ótimos vocais de apoio. “Got Nothing To Prove” tem instrumentos sinfônicos sobre a estrutura convencional, soando além do que se espera, driblando o clima de “tributo orquestral ao The Who” e abrindo caminho para o encerramento do álbum, com “Danny And My Poneys”, outra canção plácida e tipicamente tributária do folk inglês.
“The Who”, o disco, parece muito com um disco solo de Pete Townshend. Ele e Daltrey não se viram no estúdio, gravando suas partes em separado. Seja como um trabalho solo, seja como um álbum com o selo The Who, este feixe de canções é digno de figurar entre os outros onze discos da banda. Mas, se for precisar escolher os melhores, ele não estará entre eles. Para 2019, entretanto, um álbum bonzinho do The Who é bastante.
Ouça primeiro: “Detour”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.