O Jota Quest no Drive-In
Foi no último sábado, dia 27 de junho. O grupo mineiro Jota Quest subiu ao palco do Allianz Parque, em São Paulo, para fazer um show para … 280 carros. Deste total, 130 estavam numa área vip (ou seria estacionamento vip?), com ingressos a 550 reais – todos esgotados. O restante pagou o valor de 450 reais. Cada carro podia comportar até quatro pessoas e, julgando pela matemática, o total de presentes foi de pouco mais de 1100 pessoas. O Allianz divulgou novos shows de sua programação, incluindo Marcelo D2, Anavitória e comediantes de stand up. Um dado importante mostra como tal empreitada é menos eficiente e funcional que as populares lives, tão em voga durante a pandemia da covid-19.
Não tenho números consolidados, mas o grupo mineiro certamente é capaz de fazer um evento similar na Internet para um público bem maior que o do sábado à noite, o que coloca ainda mais uma camada de dúvida sobre o real motivo para que tal evento tenha sido realizado. Textos escritos a partir da cobertura no local do show davam conta de que os carros buzinavam ao fim de cada música, substituindo assim os aplausos. Sim, isso mesmo. Por mais que alguém tenha se sentido encarcerado durante o isolamento social, fico me perguntando o que realmente faz alguém tirar o carro da garagem e achar que ver um show do Jota Quest dentro do Allianz Parque, transformado em grande estacionamento, num sábado à noite, era, de fato, um programa a ser cogitado e escolhido. É muita ressignificação de uma só tacada.
Em primeiro lugar, o estádio. Palco de partidas de futebol e outros shows, o Allianz é bem bonito. Estive lá em 2015 para ver uma apresentação de David Gilmour, que justificou plenamente a viagem de avião no estilo bate e volta. Sei que muitos torcedores do Palmeiras já viram partidas eletrizantes no gramado do lugar. Na noite de sábado, nada disso. Arquibancadas vazias, carros entrando e estacionando sobre proteção para a grama, enquanto uma multidão de trabalhadores fazia de tudo para organizar o fluxo de veículos e, ao mesmo tempo, tirar a temperatura dos presentes, dar vazão a pedidos de bebida e comida, além de coordenar, via aplicativo de celular, a ida das pessoas ao banheiro. Será que tinha serviço de posto de gasolina e oficina para os carros? Não ria, não duvide.
Não bastasse a disposição para sair de casa, no melhor estilo “revenge de show”, o público desembolsou valores muito próximos ao que o governo destinou para ajudar a população carente, ou seja, 600 reais. O que eles acham que o brasileiro humilde deve ganhar num mês sem trabalho é equivalente ao que o público “investiu” para ver o grupo mineiro nas condições descritas acima. Ou seja, gastou-se numa noite o que muita gente precisa gastar num mês. Coisas do capitalismo neoliberal. E, claro, como esquecer do que esta gente estava vendo e ouvindo? Sim, o Jota Quest, uma das formações musicais menos inspiradas da história da música pop nacional, a ponto de fazer o Capital Inicial soar como o The Who.
O pop de plástico da banda mineira é, de fato, a trilha sonora adequada para o evento. Coube a eles a tarefa de se apresentar para um estacionamento no meio da noite, sob o pretexto de que “as atividades na cultura precisam retornar” ou algo vazio de sentido. Enquanto o pessoal ligado à área dá piruetas para continuar ativo, o grupo musical mineiro corrobora uma proposta elitista e estapafúrdia, além de caríssima e totalmente fora do contexto atual, por mais que sua justificativa tenha origem na privação imposta pela pandemia. Além do mais, é difícil pensar que as pessoas presentes ao estádio são, de fato, as mais respeitosas em relação às medidas de isolamento social.
Em meio a tantas situações absurdas, Jota Quest no Drive-In parece mais uma iniciativa engendrada pelas mentes pensantes do atual governo federal, com a intenção de dificultar a vida de quem mais precisa de ajuda, no caso, a cultura nacional. Inacreditável.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Meu queixo desabou com essa, CEL! Não estou sabendo adjetivar a (já adjetivando) chinforinfola.