O Horror de “Juntos e Shallow Now”

 

Eu sou uma das pessoas do planeta que ouviram pouquíssimas vezes a canção “Shallow”. Ela foi a ganhadora do Oscar de Melhor Canção deste ano, por conta do filme “Nasce Uma Estrela”. Os atores principais do longa, Lady Gaga e (o também diretor) Bradley Cooper, fazem um dueto na gravação. Foi inevitável que a música se tornasse um sucesso mundial, inclusive, claro, no Brasil. No entanto, quando a dupla de cantores sertanejos-urbanos Paula Fernandes e Luan Santana se arvorou a gravar uma versão em português, tudo conseguiu piorar. E quando eu digo “piorar”, me refiro ao surgimento de um bordão: “juntos e shallow now”, por conta da infeliz versão da letra original para o nosso idioma.

Temos então “Juntos”, a tal versão. Ela é lamentável e indefensável sob todos os aspectos possíveis. Pelo oportunismo, pela má qualidade dos cantores envolvidos, pelo arranjo bunda, que emula o original – que, por sua vez, já é banal e levemente parecido com baladas como “More Than Words”, do Extreme – e por um fato simples: “Shallow” é uma música não mais que ok. Muitos podem alegar a subjetividade desta constatação e não vou negar, mas ela está longe de ser o clássico instantâneo que dizem. A versão de Luan e Paula, mais que aviltar o original, evidencia seu fôlego curto.

Vejam, nada contra versões. Temos milhares de exemplos de traduções ao longo do tempo, é uma prática corriqueira na música pop. Mesmo aquelas que mudavam totalmente o sentido das letras, como, sei lá, “O Monstro” (de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados) para o original “Do You Love Me” (do grupo americano The Contours), ou a imperdoável versão de “The Blower’s Daughter”, de Damien Rice, para “É Isso Aí”, de Ana Carolina e Seu Jorge, o faziam dentro de um contexto mais arejado e menos lamentável que o de hoje.

Em “Juntos”, a letra original é transformada. O que era união e força entre os cantores originais de “Shallow”, tornou-se lamúria, arrependimento e gritaria. O pior é que a tradução – feita por Paula Fernandes – se pretende seríssima. O “shallow” – superfície, raso – do original, contextualizado como um lugar do qual os cantores estão longe, tão imersos em sua paixão/sentimento, tornou-se algo incompreensível. Não há nada que corresponda ao título/conceito original da canção, em qualquer ponto da letra. Apenas a inclusão de “juntos e shallow now” no fim, o que não significa absolutamente nada. Ou melhor, significa “juntos e rasos agora”.

Em tempos de anti-conhecimento, “juntos e shallow now” já se transformou em bordão. Não sei exatamente o seu significado, mas desconfio que seja “estamos aí”, ou “tamo junto”. Mesmo no bordão, o “shallow” não tem significado algum. Talvez se Paula Fernandes odiasse a canção original, não pensasse em mecanismo tão eficaz para desfazer seu sentido original. Parabéns.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “O Horror de “Juntos e Shallow Now”

  • 20 de maio de 2019 em 11:46
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    O bordão tem sido utilizado por ironia.

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