“O Homem Invisível” é um filme sobre machismo

 

 

Já não é de hoje que a gente “vê o homem invisível” no cinema. Falando assim, parece até trocadilho. E é. A história é manjada e, de tempos em tempos, ganha uma atualização mais ou menos interessante. Lembro até de uma variante televisiva, lá dos anos 1970, na qual o sujeito que desaparecia da vista era bonzinho e colocava seus dons a serviço das boas causas. O primeiro filme, baseado no original de H.G Wells e dirigido por James Whale, é de 1933 e trazia um cientista bonzinho, que faz um experimento, se torna invisível acidentalmente e, por conta deste processo, é afetado mentalmente, tornando-se um mauzão e causando danos a todos, especialmente à mocinha. Lembro vagamente de uma versão do ano 2000, na qual o onipresente Kevin Bacon fazia o papel, atormentando Elizabeth Shue.

 

Em 2020, com Elisabeth Moss à frente da empreitada, “O Homem Invisível” foi transformado num filme ok sobre um relacionamento abusivo. Dessa vez, o tal cientista – Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen) – é mau de nascença, mantendo um relacionamento totalmente estranho e obsessivo com Cecilia Kass (Moss). Logo no início do filme, o espectador a vê fugindo da luxuosa residência do casal, de noite, após drogar Adrian com diazepan. A poucos instantes dela consumar a fuga, ele descobre e quase dá tudo errado. A partir deste prólogo, a narrativa tem início e mostra Cecilia tentando vencer os traumas que adquiriu ao longo do tempo. Ela tem medo de ficar sozinha, de sair às ruas e isso só melhora quando recebe a notícia de que Adrian cometeu suicídio e ela terá direito a uma simpática herança de cinco milhões de dólares.

 

Com este cenário estabelecido, o diretor e roteirista Leigh Whannel, um dos criadores da série “Jogos Mortais”, conduz a trama com uma boa pegada de suspense/terror. É muito fácil perceber logo de cara que Adrian não morreu e está atormentando a pobre Cecilia, que começa a sofrer terríveis “alucinações”, que vão desde sentir a presença de alguém no mesmo ambiente a situações mais intensas e impressionantes. Daí, claro, ninguém acredita quando ela diz que Adrian não morreu, que ele a está perseguindo e tudo vai num clima crescente de desespero e violência.

 

Moss é uma baita atriz e carrega o filme sozinha. Suas expressões, falas e olhares emulam a sua personagem June, de “The Handmaid’s Tale”, mas não chega a causar incômodo. Também é digna de menção a trama que Whannel consegue escrever e roteirizar, oferecendo um equilíbrio interessante entre o suspense e o terror light. Algumas cenas são realmente bem feitas e a conclusão é coerente. O que coloca em dúvida algum ponto de “O Homem Invisível”, é a semelhança que esta versão tem com um péssimo filme, “Dormindo Com O Inimigo”, estrelado por uma Julia Roberts pós-Uma Linda Mulher. Se a presença de um ator lamentável como Patrick Bergin estragava completamente aquele longa, aqui, Oliver Jackson-Cohen consegue estragar mesmo invisível. Sua interpretação é terrivelmente ruim e o espectador verá – sem trocadilhos – isto até o fim do filme.

 

No fim das contas, sobra o bom divertimento, a interpretação de Moss e uma certa mensagem anti-abuso feminino, certamente, o melhor do filme. Esquecível, porém eficaz.

“The Invisible Man”
EUA, 2020
De: Leigh Whannel
Com Elisabeth Moss, Oliver Cohen-Jackson

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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