O Home Run do Pearl Jam
Já tive a chance de ver o Pearl Jam ao vivo duas vezes, no mesmo lugar: a Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, em 2006 e 2011. Quem já viu o grupo de Seattle no palco sabe o quanto isso é importante para eles. Os setlists não se repetem, as performances sempre são incendiárias e covers legais são tiradas do fundo da cartola (nunca vou esquecer a bela sacada de colocar “Boyfriend”, dos Ramones fase 1977, no meio de “Better Man” em 2006 ou minha esposa cantando “Mother”, do Pink Floyd, aos berros, em 2011). Por isso eu posso atestar: show do Pearl Jam é sinônimo de envolvimento, profissionalismo e dedicação, pelo menos. Mas há momentos em que isso pode ficar ainda melhor. É o caso dos concertos que a banda fez no Wrigley Field, em 20 e 22 de agosto de 2016.
A história destes shows está documentada no inestimável “Let’s Play Two”, um “rockumentário” sobre a passagem do Pearl Jam por Chicago, em meio à disputa das finais da MLB – a liga americana de beisebol – protagonizada por Chicago Cubs e Cleveland Indians. Os Cubs não venciam a World Series – como é chamada a final – desde … 1908, ou seja, encerraram um jejum de 108 anos, talvez o mais longo da história dos esportes em todos os tempos. Mesmo radicada em Seattle e integrante do time de bandas surgidas por lá na virada dos anos 1980/90, o Pearl Jam tem imensa ligação com os Cubs por conta de Eddie Vedder, vocalista, guitarrista e principal rosto do grupo, nascido em Chicago e fã enlouquecido do time. Durante a infância e a juventude, Vedder ia ao Wrigley Field, assistia aos jogos, colecionava figurinhas, tudo o que um moleque tarado por esportes faz.
A passagem pelo Wrigley de 2016 não foi a primeira do Pearl Jam. A banda esteve por lá várias vezes ao longo dos anos, mas nunca num momento de protagonismo do time. E Vedder sabia disso. O que torna o documentário tão bacana é a opção por mostrar tanto a apresentação da banda no estádio como várias cenas de bastidores e andanças dos integrantes pelas imediações do estádio, falando com torcedores, fãs, dirigentes, jogadores do presente e do passado e entrando em bares e casas de show, que estão no entorno desde sempre. Algumas imagens de Vedder antes do sucesso da banda também surgem, mostrando o jovem pegando pedaços do gramado e levando pra casa, como souvenir.
O que é bacana em “Let’s Play Two” é o envolvimento da banda com tudo o que faz o esporte ser praticamente mágico. Nos Estados Unidos, as ligas profissionais vinculam seus times/franquias às cidades e elas os abraçam. Sendo assim, Cubs é Chicago e vice-versa. Verdadeiros eventos coletivos surgem em fins de semana de jogo e a população da cidade se transforma numa massa uniforme de torcedores. Isso garante o toque sensacional de identificação entre um lugar e seus habitantes com o esporte. Evidente que isso ocorre em lugares que se organizam de forma diferente, provavelmente sendo ainda mais legal a existência de vários times numa cidade, caso de lugares tão distintos como Rio de Janeiro e Manchester, em termos de times de futebol. Aliás, se você quer um paralelo entre a importância do beisebol para os americanos, posso dizer que é a mesma que o futebol tem para nós.
Nesta passagem do Pearl Jam por Chicago, a banda é gente como a gente. Esta impressão é forte entre os fãs, justo por esta dedicação que Vedder, Gossard, McCready, Ament e Cameron dispensam aos admiradores quando estão no palco. Mas no Wrigley Field, 2016, eles são apenas mais um grupo de fãs do esporte, dispostos a tudo para empurrar o time local para a glória. A glória da vitória em campo, talvez uma das maiores possíveis.
“Let’s Play Two” foi exibido pela Fox Sports americana em 2017 e lançado em CD/DVD/Blu- Ray no mesmo ano. Quando chegou às lojas, vi, gostei mas não comprei porque estava caro e eu andava numa fase de me interessar por outros sons. Ainda estou. Mas o Pearl Jam é uma banda querida de muito tempo, um grupo de sujeitos que honra a camisa que vestem. Me lembra de um tempo paralelo ao do Vedder moleque, fazendo seus primeiros shows com a banda a bordo de uma van. Lembra ir ao cinema que virou igreja evangélica na Tijuca, Zona Norte do Rio com uma namorada da qual nunca mais ouvi falar. Lembra tomar sorvete na sorveteria que não mais existe. Ou seja, música, esporte, é tudo memória e a produção dela – da memória – é constante e alimenta a própria história.
“Let’s Play Two” entrou para uma galeria secreta de DVD’s que me salvam, junto com o “Storytellers” e a apresentação de 2000 no Madison Square Garden, com Bruce Springsteen e sua E-Street Band. Em comum: gente como a gente, shows épicos, um lugar pra você no meio das músicas, no centro do palco. Rock é isso. Também.
Em tempo: no meio das entrevistas de jogadores e ex-jogadores sobre a campanha dos Cubs, surge a história de um fã que chegou em primeiro lugar na fila. O sujeito acampou com cadeira de praia e barraca três dias antes do show. Ao ser entrevistado, ele fala que é fanático pelo grupo e o quanto uma música em especial – “Release” – serviu para consolá- lo pela perda recente do pai. Seu nome é John. Mais adiante, no meio do show, Vedder o chama, conta um pouco de sua história e toca “Release”, numa performance emocionada e emocionante. John, no meio da plateia, se esvai em lágrimas. Rock também é isso.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.