O Governador que comemora mortes

 

Célula Pop não é um site sobre política. Não temos uma coluna específica sobre o assunto, mas achamos – ou melhor, temos certeza – que é impossível vivenciar a sociedade sem levar em conta este viés. Por conta disso e pela influência que as decisões tomadas por governos em todas as esferas do Poder Executivo têm nas nossas vidas, não podemos deixar de falar sobre este inacreditável sequestro na Ponte Rio-Niterói.

 

Talvez porque eu resida em Niterói e tenha um carinho imenso por esta cidade. Qualquer problema na Ponte, Niterói para. O nó no tráfego é inevitável, as Barcas e Catamarãs, que ligam a cidade ao Rio de Janeiro, não dão conta do movimento pendular que caracteriza a relação entre as cidades. Sendo assim, Niterói amanheceu estrangulada pelo tal sequestro na Ponte.

 

Um ônibus da viação Galo Branco, que faz a travessia Alcântara- Estácio, foi sequestrado com 31 pessoas a bordo. O sequestrador tinha gasolina e ameaçava atear fogo no veículo. Longas horas de negociação se sucederam, alguns reféns foram soltos e montou-se um aparato de demonstração de força do estado. Vieram bombeiros, polícias militar, rodoviária, civil e até barcos da Marinha cercaram a área. O trânsito para o Rio foi interrompido e, posteriormente, o sentido para Niterói também foi cortado. Nas TVs o espetáculo midiático de praxe, com helicópteros sobrevoando o local e várias análises feitas por repórteres que já haviam chegado à Ponte.

 

Até que uma ação de um atirador da polícia deu fim ao ocorrido. O sequestrador foi morto, alvejado. Uma repórter da Globo transmitia ao vivo quando os tiros foram disparados. Um instante depois, irrompeu um grito de comemoração. O “bandido” estava morto. A sociedade havia vencido o “mal”. Alguns repórteres comemoraram. A moça da Globo, não. Talvez por estar ainda aturdida, talvez por achar que morte não se comemora, vá saber. Em seguida entrou o pessoal do estúdio, elogiando a ação da polícia. “Foi perfeita”, disseram eles. Pouco depois, com a Ponte já em segurança, pousa um helicóptero da polícia e dele sai o governador do Rio, Wilson Witzel. Mal ele desce do aparelho e sai comemorando como se fosse um gol.

 

Por um instante lembrei de … “De Frente Pro Crime”, de João Bosco e Aldir Blanc. Aquela do “tá lá um corpo estendido no chão, em vez de rosto a foto de um gol”. É uma canção que fala da banalização da violência. Alguém vê um corpo no chão, sem vida e descreve as pessoas seguindo com suas vidas. Mas a comparação não é perfeita, porque Witzel desceu do helicóptero comemorando a morte do sequestrador. Com efusão. Com sentimento. Pra quem não sabe, ele é o mesmo governador que foi visto em outro helicóptero da polícia, ao lado de outros atiradores de elite, disparando contra comunidades em Angra dos Reis, Costa Verde do estado. Ele também é o responsável pela maior taxa de letalidade da polícia do Rio em muitos anos. É acusado de afrouxar completamente as medidas de contenção das ações de repressão e combate ao crime. Nunca se matou tanto no Rio. Poderia pegar números na internet, mas confesso que não tenho vontade. Basta ver os noticiários para saber.

 

Witzel foi eleito pelo PSC, partido social cristão. Foi visto ao lado do deputado federal eleito (pelo PSL), Rodrigo Amorim, quebrando a placa que trazia o nome da Vereadora Marielle Franco, morta há cerca de um ano e meio, em circunstâncias ainda não explicadas pela mesma polícia – eficiente e imperial – que é exaltada pela mídia. Não é, portanto, a primeira morte que ele comemora. Witzel mandou fazer fardas dos bombeiros, da polícia, camufladas, todas com seu nome. Mandou fazer uma faixa governamental também – algo que não existia até então. Parece ter um fraco por ação, por tiroteios, mas desde que esteja em total segurança. Se soltá-lo à própria sorte, tenho certeza que Witzel chorará feito uma criancinha indefesa.

 

A verdade é que o Rio e o Brasil elegeram políticos que vibram com a morte de “bandidos”. São os mesmos que adotam ações que vão tornar a população mais vulnerável a problemas de saúde, ao desemprego, a ação da exploração das grandes corporações que “investem” grandes somas de dinheiro nas campanhas que os elegem. Planos de saúde em vez do SUS melhor e amplo. Instituições de ensino privadas em vez de escolas e universidades públicas e com acesso para todos. Essas ações são como tiros em câmera lenta. Vão nos atingir em algum ponto das nossas vidas, a mira é certa em nossos órgãos vitais. Mas não terão a urgência que a bala fatal no sequestrador da Ponte teve.

 

É que, mesmo não sendo “bandidos”, somos alvo. Somos a população pensante e reflexiva. E, não somos só nós, que sabemos da milícia, da injustiça e da maldade como políticas de estado. Os que elegem essas pessoas também são alvo, desde que sejam pobres e esperançosos de que, pela violência e pela segregação da diferença, a sociedade prevalecerá. Estão errados. E, tristemente, verão isso cedo ou tarde.

 

“Tá com pena do bandido? Leva ele pra você”.

 

Eu troco essa frase por mais empregos, mais saúde, oportunidades de estudo e habitação. Sem isso, não há sociedade. Se você discorda, você é o Wilson Witzel, gorducho, careca, desajeitado, comemorando mortes como se fosse um gol. E, bem eu teria vergonha de ser assim.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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