O devastador “Meu Pai”
Indicado a seis Oscars – melhor ator para Anthony Hopkins, melhor filme, melhor atriz coadjuvante para Olivia Colman, melhor montagem, melhor design de produção (direção de arte) e roteiro adaptado – “Meu Pai” é um filme importantíssimo e impressionante. Ele é uma prova contundente de como é possível fazer cinema praticamente perfeito sem efeitos especiais, tramas mirabolantes e montagens frenéticas. Basta um ator soberano, como Anthony Hopkins, um roteiro maravilhoso, inspirado na peça que o hábil diretor Florian Zeller escreveu e encenou em 2012, e, pronto, lá estamos nós imersos na trama dilacerante do longa.
A história é simples. Anthony (Hopkins) tem 81 anos e vive num apartamento em Londres. Sua filha, Anne (Olivia Colman, tão perfeita que nem parece estar atuando) cuida dele diariamente, o visita, conversa e verifica se está tudo bem em seu mundo. Até que, num dia qualquer, ela comunica a Anthony que irá se mudar para Paris, porque conheceu alguém e vai morar na capital francesa. Isso significa colocar uma cuidadora para morar com o pai. Claro, Anthony não aceita, diz que não precisa de cuidados extras, que pode se virar sozinho e briga com a filha. Esta é a senha para o acesso a este cenário que parece simples, mas esconde as várias oscilações da mente humana na velhice. Aos poucos vamos assumindo o ponto de vista do idoso e nos deparamos com situações inesperadas, que só aprofundam a confusão.
O grande barato de “Meu Pai” é como Zeller vai conduzindo a trama e proporcionando ao espectador essa imersão. Em pouco tempo a nossa atenção já está definitivamente capturada e nos sentimos com muita dificuldade de distinguir entre o que é real e o que não é. Certamente o mérito absoluto do filme é proporcionar esta experiência de confusão ao espectador, algo que deveria ser até ensinado por alguma instância governamental, pois mudaria muito a perspectiva que as pessoas têm dos idosos e de como eles vão, simplesmente, perdendo a capacidade de distinguir eventos e racionalizar sobre eles.
A atuação de Anthony Hopkins é impressionante e desconcertante. Quem teve vivências com entes queridos que viveram situações semelhantes às do filme, certamente irá experimentar momentos intensos ao longo da narrativa. E quem nunca viveu tal situação, na qual alguém que, outrora foi forte e decisivo, agora depende de você, certamente sairá com várias pulgas atrás da orelha. Pelo menos é o que esperamos.
“Meu Pai” é uma exposição dolorida da realidade, que deve ser vista pelo maior número possível de pessoas.
O filme tem estreia em várias plataformas prevista para este mês de abril.
The Father (França/Reino Unido)
DIREÇÃO: Florian Zeller
ROTEIRO: Florian Zeller
ELENCO: Olivia Colman, Anthony Hopkins, Mark Gatiss, Rufus Sewell
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
E o filme conserva a origem teatral do roteiro, é um deslumbre.
Apresentação sensível e perspicaz para um filme estonteante. A habilidade do filme em desfazer a linearidade do tempo e a organização do espaço é impressionante, e isso com baixas tecnologias. Indispensável.