Novo disco do Afghan Whigs é arrasador

 

 

 

The Afghan Whigs – How Do You Burn?
39′, 10 faixas
(BMG)

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

Este é o disco de que precisávamos após uma overdose de informações tendo o Rock In Rio como assunto dominante. Porque, sim, este o um álbum de rock com todas as letras e expressões que o termo comporta, com o arcabouço emocional a que temos direito, feito por gente humana, falível, imperfeita, que vive e morre diante dos nossos olhos. Aqui, neste terceiro trabalho dos Afghan Whigs após a retomada de sua carreira em 2012 (e o oitavo no total), está uma avalanche de sentimentos pronta para desabar sobre quem ouve suas dez faixas. E, adivinhe só, é exatamente o que acontece no fim dos quase 40 minutos de duração do álbum. Você tem a alma lavada e enxaguada nas áreas imperfeitas que contemplam o ser humano possível. Nada de divas, divos, espetáculos de coaching musical, balés, exacerbações de qualquer tipo. E olha que você nem precisará saber da vida de abusos do vocalista e guitarrista Greg Dulli, tampouco da aura que cerca seus trabalhos, seja no Whigs ou nos projetos paralelos Twilight Singers e Gutter Twins para curtir este disco. Basta estar vivo.

 

 

“How Do You Burn” me emocionou do mesmo jeito que “Gentleman”, terceiro álbum da carreira dos Whigs, quando o ouvi lá nos idos de 1993/94. A diferença é que, naquele tempo, eu tinha menos 20 anos que hoje, talvez me emocionasse facilmente com coisas que nunca tinha testemunhado. Agora, mais velho e cascudo, temas como relacionamentos abusivos, fracassos pessoais, amores não correspondidos e, acima de tudo, a perspectiva de morrer, me corroem a alma ao mesmo tempo que me transmitem conforto pessoal. Ver um cara como Greg Dulli cantando e sobrevivendo em pleno 2022 é uma grande, uma baita lição de que é possível persistir e seguir em frente. Mas, enquanto ele está firme e forte, seu parceiro, Mark Lanegan, faleceu em fevereiro deste ano. É possível ouvir sua voz em uma das mais impressionantes canções presentes aqui: “Jyja”. Dulli disse em entrevista ao NME: “Mark gravou os vocais de apoio desta canção a caminho do aeroporto, quando ia se mudar para a Irlanda. E esta foi a última vez que o vi. Ele não chegou a ouvir a mixagem do disco”. Pois é.

 

 

Para que “How Do You Burn” fosse gravado, montou-se uma estrutura complexa entre Califórnia e os estados em que os membros do grupo residem. Enquanto Dulli, o guitarrista e coprodutor Christopher Thorn e o baterista Patrick Keeler formaram uma bolha de isolamento e conseguiram compor e tocar juntos, o baixista John Curley, o guitarrista John Skibic e o tecladista Rick G Nelson completaram suas partes remotamente, direto de Ohio, Nova Orleans e Nova Jersey. O álbum também tem colaborações importantes de Susan Marshall e Marcy Mays, duas cantoras que já participaram de álbuns anteriores do grupo e retornam para dar um contraponto feminino necessário em canções pungentes sobre relacionamentos que não tiveram o final feliz, uma tônica das canções dos Whigs.

 

 

A marca sonora da banda está presente em todos os instantes ao longo do álbum. Se muita gente trata os trabalhos recentes dos Whigs como “menores” em relação aos cinco álbuns clássicos dos anos 1990, “How Do You Burn” não deixa nada a dever em relação a discos como “Gentleman” (1993) ou “Congregation” (1992). A sonoridade é impressionante, tensa, agressiva, porém contida. A surpresa é a faixa de abertura, “I’ll Make You See God”, que é um rockão forte e pesado, algo incomum no cânone do grupo. Guitarras vêm de todas as direções e o canto maníaco de Dulli mantem-se no meio do turbilhão. A partir de “The Getaway”, segundo single que a banda soltou, as coisas entram nos eixos. “Catch A Colt”, por exemplo, tem vocais impressionantes, uso perfeito de teclados e guitarras que geram climas claustrofóbicos e vocais de apoio perfeitos. Todas as canções são sensacionais, mas “Jyja”, “Please Baby Please” e “Jimmy And Domino” são muito além do que poderíamos esperar. A primeira é um blues apocaliptico, cantado na beira do precipício sobre o fim de um amor. A segunda é uma soul song, do tipo que Dulli adora gravar e compor. O clima é de um clássico esquecido dos anos 1960. E a terceira é uma improvável balada pianística, meio country, derramada, belíssima e tristíssima, com um verso cortante como “Like a living ghost you are lost inside my head”.

 

 

“How Do You Burn” é um improvável, porém fortíssimo candidato a não-listas de melhores do ano de 2022. Digo “não-listas” porque dificilmente haverá espaço para um trabalho que não traz novidades eletrônicas ou bomba nas redes sociais. Tampouco tem balés em shows e pirotecnias. Aqui só tem vida real e a possibilidade de perdê-la ao virar a próxima esquina. Uma porrada na cara.

 

 

Ouça primeiro: o disco inteiro.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on “Novo disco do Afghan Whigs é arrasador

  • 25 de setembro de 2022 em 10:53
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    Esse então, nem preciso dizer né…só aguardando o correio chegar …….

    Ah, CEL, o “ROB” ficou ruim demais sem voce e o Bragatto, nem assisto mais ! hehe

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  • 15 de setembro de 2022 em 00:00
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    Obrigado, meu caro. Seguimos.

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  • 14 de setembro de 2022 em 23:44
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    “Nada de divas, divos, espetáculos de coaching musical, balés, exacerbações de qualquer tipo.”

    Que bom que o Célula Pop existe. Vida longa!

    Resposta

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