Noel Gallagher lança seu melhor álbum neste século

 

 

 

 

Noel Gallagher’s High Flying Birds – Council Skies
48′, 11 faixas
(Sour Mash)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Nostalgia. Esta é a palavra que define boa parte do empreendimento artístico-emocional que é “Council Skies”, quarto álbum pós-Oasis de Noel Gallagher, devidamente acompanhado de sua banda, High Flying Birds. O conceito que norteia o feixe de dez canções oferecidas aqui é lembrar do tempo em que era possível sonhar com o futuro e não saber o que este reservava. Noel, como bom habitante de Manchester e muito identificado com seu lugar de origem, envolve a cidade do norte da Inglaterra neste processo, dando um contorno que transcende a música pura e simples. A capa já entrega o jogo: uma rotatória próxima à região onde antes ficava o estádio Maine Road, antiga casa do Manchester City, demolido em 2003, certamente um dos lugares em que os Gallagher mais estiveram em sua vida. Ao mesmo tempo em que faz essa viagem de ida e volta no tempo, Noel se reencontra também com sua melhor forma, seja como compositor, seja como cantor. O que ele apresenta em “Council Skies” está em pé de igualdade com seus melhores momentos no Oasis. Finalmente.

 

 

Até agora, eu preferia as incursões solo de Liam Gallagher às de Noel. Há um motivo simplista: enquanto o ex-vocalista do Oasis optou por uma forma mais objetiva e familiar de escrever e gravar rock songs, Noel buscou novos ares, deixando totalmente para trás o legado da antiga banda. Seus álbuns com a High Flying Birds, que começaram a vir em 2011, ainda que interessantes, nunca conseguiram propor uma forma que fizesse frente ao que fazia antes. Mesmo que não fosse um objetivo, tal questão dava uma sensação de roda presa, marcha lenta, freio de mão puxado. E, bem, à medida que o tempo passou, Noel foi experimentando outras texturas sonoras, a ponto de molhar além dos tornozelos no mar da música eletrônica – algo que ele sempre gostou. Seu álbum “Who Built The Moon?” de 2017, ia por este caminho e, dois anos depois, ele soltou “Black Star”, um single que praticamente o colocava numa pista de Disco Music. Mesmo assim, Noel mantinha intacta ao menos uma qualidade: seu talento como compositor e pensador musical.

 

 

A coisa começou a mudar quando veio ao mundo a arrepiante “Trying To Find A World That’s Been And Gone pt1”, lançada sob a forma de demo, em 2021. A canção, que ganhou sua forma final em “Council Skies”, é uma nítida retomada da estética sonora que o Oasis usou em um de seus maiores hits, “Champagne Supernova”. O instrumental lento, a aura psicodélica, as cordas e a própria melodia. Quando veio o single seguinte, “Pretty Boy”, em 2022, com a presença de Johnny Marr, os fãs já tinham certeza que Noel dera uma guinada sonora em direção a caminhos mais familiares. Posteriormente, “Pretty Boy” ganharia um belo remix de Robert “The Cure” Smith, tão bom quanto o original. Outra belezura de canção, “Easy Now”, era outro acendo ao passado do Oasis, com uma melodia familiar e um arranjo épico de vocais de apoio, cordas e refrão feito sob medida para ser entoado em estádio.

 

 

A sucessão de canções que foram lançadas para esquentar os ânimos para o vindouro novo álbum, no entanto, eram ainda mais impressionantes. “Dead To The World”, por exemplo, é um épico como há muito tempo não se ouve no rock. Com cordas – gravadas em Abbey Road – que evocam uma melodia que poderia ser de uma trilha sonora sessentista, ela paira no ar como helicóptero e beija-flor, falando sobre o amor de Noel por seus fãs argentinos que, segundo ele, “cantam suas letras errado”. A faixa-título, talvez o melhor momento de Noel pós-Oasis, é um épico moderno de rock e música eletrônica, sem que um invada o terreno do outro, com direito a texturas que ainda evocam certa aura new-bossa. A partir de um riff de teclado que mais parece um aviso de mensagem no celular, ele criou um verdadeiro épico aerodinâmico, que acelera pelas ruas de Manchester rumo a um futuro que ainda é misterioso, mas que nunca chegou a acontecer. “Love Is A Rich Man” é um rockão stoniano de riffs poderosos e andamento que faz reverência a inúmeras canções do rock inglês desde sempre. Em “Open The Door, See What You Find”, ele mistura batida mais marcial com cordas e um arranjo que também lembra um bom lado B do Oasis, algo que, sabemos bem, é um baita elogio.

 

 

Noel sabe bem que seu novo disco não é inovador, nem pretende ser. É um trabalho conciso, extremamente inspirado e que revê sua trajetória com olhos de carinho, mas sem saudade. É um álbum belo, com canções que o recolocam na prateleira dos mais inspirados compositores do rock em atividade.

 

 

 

 

Ouça primeiro: “Council Skies”, “Dead To The World”, “Pretty Boy”, “Easy Now”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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