Rock Latino-Americano: 13 canções (+ 3 bônus)

 

 

No final do ano passado, o surreal 2020, o Netflix lançou a série documental “Quebra Tudo – A história do rock na América Latina” (Rompan Todo), dirigido por Picky Talarico e coproduzido por Gustavo Santaolalla. Com 6 episódios, média de 50 minutos cada um deles, a série é um documento histórico que cronologicamente (mas nem sempre) traz o passo-a-passo do rock na região, desde o início na década de 60 com o surgimento de grupos que faziam covers de rocks americanos até os dias atuais, onde o gênero já não tem a mesma popularidade de antes, mas na essência, ainda permanece como a voz de resistência de grande parte da sociedade latina.

 

A série apresenta dezenas de nomes que foram imprescindíveis para a história do rock na América Latina, tendo como pano de fundo as diversas passagens mais duras dos nossos últimos 50 anos. As infames e sanguinárias ditaduras latinas, os mirabolantes e desastrosos planos econômicos, o populismo barato e o início da necro-política como nós a conhecemos hoje. Tudo isso é combustível para a resistência, para a luta e para uma certa alienação, que o rock proporciona e é consumido como válvula de escape ante uma sociedade altamente repressora.

 

O trabalho árduo aqui foi o de destacar 13+3 nomes de artistas e/ou grupos mais relevantes dessa epopeia. Árduo e até certo ponto injusto, pois uma lista como essa deveria contar com uns 30, 40 nomes e ainda assim muita gente boa ficaria de fora. Mas o recorte aqui destaca nomes e músicas, alguns conhecidos e muitos nem tanto. Ao terminar de ver a série documental, nos damos conta do que perdemos ao não dar a devida atenção à produção musical dos nossos hermanos vizinhos.

 

Além dos 13+3 abaixo, procurem também por nomes como Sumo, Patricio Rey & Sus Redonditos de Ricota, Molotov, Juanes, Los Abuelos de la Nada, Los Rodriguez, Illia Kuryaki and The Valderramas, Los Pericos, Los Enanitos Verdes, Bersuit Vergarabat, Caifanes, 1280 Almas, Javier Bátiz, Ratones Paranoicos etc etc etc…

 

 

E vejam a série. Ela é realmente obrigatória.

 

 

13+3 DO ROCK LATINO

 

 

– “Demoliendo Hoteles” – Charly Garcia

Se existe um artista que resume o espírito do rock latino, este é Charly Garcia. A vida regada a drogas, polêmicas, brigas públicas e quartos de hotéis destruídos, não foi capaz de estigmatizar ou reduzir a obra de Charly. Criador de dois dos mais importantes grupos argentinos – Sui Géneris e Serú Girán – Charly Garcia compôs e produziu dezenas de clássicos absolutos e “Demoliendo Hoteles” é, certamente, um deles. A música abre o disco “Piano Bar” (1984), sucessor do aclamadíssimo “Clics Modernos” (1983).

 

 

– “El Matador” – Los Fabulosos Cadillacs

Fãs de Madness, The Specials, ska, cumbia, salsa e reggae, esse grupo argentino, formado na metade da década de 80, moldou sua música na mistura de tudo isso e um pouco mais. “Matador” é o ápice desta salada sonora: tambores, surdos, metais e um ritmo alucinante e urgente que não deixa ninguém parado. Se o rock também é festa, Los Fabulosos Cadillacs são os donos dela.

 

 

– “El amor después del amor” – Fito Paez

Os Paralamas do Sucesso até tentaram fazer com que a obra de Fito Páez fosse devidamente reconhecida por aqui, gravando várias músicas deste cantor, compositor e multi-instrumentista argentino. Mas o Brasil, que odeia ser latino, não deu a menor importância. Fito Páez é um dos maiores nomes do rock latino-americano e sua extensa obra é um recorte social, político e artístico dos últimos 36 anos transformado em música. Criou verdadeiras maravilhas como os álbuns “Ciudad de pobres corazones” (1987), “Circo Beat” (1994), “Euforia” (1996) ou “Abre” (1999), mas foi em “El amor después del amor” (1992) que viu sua carreira solo decolar. Recém contratado pela Warner Latina e com carta branca e cheque polpudo de André Midani, Fito pariu o disco de rock argentino mais vendido da história daquele país. E por sua importância, destaco aqui a música título deste álbum.

 

 

– “Seguir viviendo sin tu amor” – Luis Alberto Spinetta

Um dos pioneiros do rock argentino, um poeta, um compositor único. Na passagem do documentário dedicada à Spinetta, elogios sinceros e profundos são contundentes. Charly Garcia o chama de “gênio” e o grandioso Hugo Fattoruso (músico uruguaio, um dos pais do rock latino e nome fundamental na história da música deste continente) declara que “depois de escutar Spinetta, é muito difícil se surpreender com outra coisa”. Spinetta formou uma das bandas seminais do rock latino – Almendra – que influenciou todas as gerações seguintes. A música escolhida aqui faz parte da sua carreira solo, extraída do disco “Peluson of Milk” (1991). Luis Alberto Spinetta faleceu em 2012, vítima de um câncer no pulmão.

 

 

– “Ella usó mi cabeza como un revolver” – Soda Stereo

A “maior banda argentina de rock de todos os tempos”, segundo a maioria dos argentinos e também dos mexicanos, colombianos, uruguaios, chilenos etc. O Soda Stereo surgiu no início da década de 80, influenciados por The Police, The Cure, entre outros grupos de rock inglês. Já na metade desta década, tem seus shows lotados no seu país de origem e na década seguinte conquistam também outros públicos na América Latina. Passam a lotar estádios, com shows cada vez mais bem produzidos e vendendo toneladas de discos. Deles, conhecemos “De música ligera”, regravada pelos Paralamas do Sucesso e também pelo Capital Inicial. “Ella usó mi cabeza como un revolver” é talvez o último grande sucesso da banda, lançado em 1995, no disco “Sueño Stereo”. O grupo viria a se dissolver em 1997, voltando para turnês especiais em anos seguintes. O vocalista e líder do grupo, Gustavo Cerati, construiu uma consistente e celebrada carreira solo, interrompida em consequência de um AVC sofrido em 2010 e que o deixou em coma por 4 anos, vindo a falecer em setembro de 2014.

 

 

– “Pachuco” – Maldita Vecindad y los hijos del quinto patio

Ska, punk e música tradicional mexicana, surgida nos subúrbios da Cidade do México em 1985, La Maldita Vecindad y los hijos del quinto patio é, na minha opinião, uma das mais instigantes bandas de rock da AL. Oriundos do projeto “Rock en tu idioma”, que popularizou o gênero musical nos países de língua espanhola, foram produzidos pelo grande Gustavo Santaolalla (Arco Iris, Bajofondo e centenas de trilhas sonoras para filmes) e deste casamento sonoro saiu “El Circo”, disco de 1991, terceiro de carreira e tido como o melhor da banda. A música de abertura é uma verdadeira porrada, a acelerada e urgentíssima “Pachuco”. O Maldita Vecindad é tão importante para o rock da AL, que sem eles não existiria o Café Tacvba.

 

 

– “Todo sea por el rocanrol” – El Tri

Aqui temos alguém para concorrer com Charly Garcia no quesito “o nome do rock latino”. El Tri é um dos projetos da interminável carreira de Álex Lora, que desde 1968 empunha sua guitarra nos palcos mexicanos. Formado em 1985, o El Tri é um dos grupos mais importantes e longevos da história do rock latino. “Todo sea por el rocanrol” está no álbum “Hoyos en la bolsa”, de 1996, mas ouça também a versão ao vivo e tente ficar parado.

 

 

– “Pobre de ti” – Tijuana No!

Outra banda mexicana – aqui de Tijuana – com influências menos óbvias. A essência do Tijuana No! passa necessariamente pelo punk rock inglês do Clash e norte-americano dos Dead Kennedys. O mais bacana é que a banda, na sua melhor fase, contou com duas vocalistas – Cecilia Bastida e Julieta Venegas, que seguiria carreira solo depois e tomaria as paradas de sucesso de toda a AL. O Tijuana No! tinha como ponto forte as letras políticas e de denúncia social. “Pobre de ti” tem uma pegada mais ska e está no primeiro disco do grupo, lançado em 1992.

 

 

– “Bolero Falaz” – Aterciopelados

O maior grupo de rock colombiano e a mulher mais incrível neste meio majoritariamente e absurdamente masculino. Andrea Echeverri e Héctor Buitrago, os donos da bola, criaram um som que é difícil não identificar logo de cara. A voz e a presença de palco de Andrea, além das letras fantásticas, levaram o grupo ao topo da cena colombiana e a um justo reconhecimento internacional. “Bolero Falaz”, do disco “El Dorado” (1995), está no topo da lista das melhores músicas do rock colombiano e com clipe em alta rotatividade na MTV naquela época, elevou o grupo a um patamar inalcançável por outro grupo da Colômbia.

 

 

 

– “Fuego” – Bomba Estéreo

Para mim, o ápice das transformações e da modernidade do rock, fruto das misturas na música latina – rock com rap e elementos eletrônicos – fazem do Bomba Estéreo uma escolha inusitada e até polêmica nesta lista. Fundado em Bogotá por Simón Mejía e com a presença fodástica de Li Saumet nos vocais, o lance aqui é pegar salsa, cumbia e outros ritmos latinos e fundir com o melhor da música eletrônica, com o rap, dub, ragga e com o que mais vier. Poucas coisas são tão roqueiras na essência e tão pouco na forma que “Fuego”, do segundo disco de carreira “Estalla”, lançado em 2008.

 

 

 

– “La espada y la parede” – Los Tres

Chi chi chi, le le le….viva Chile! Da terra de Neruda, o grupo Los Tres é um dos mais importantes nomes do rock local. Antes conhecido como Los Dick Stones, viram Los Tres e lançam o seu primeiro álbum em 1991. Juntos com outros artistas e grupos, surgem durante o final da ditadura sangrenta de Pinochet, dando voz a uma geração inteira sufocada. “La espada y la parede”, música que dá título ao terceiro álbum do grupo, lançado em 1995, é um verdadeiro hino de libertação e resistência. Impossível não se emocionar ouvindo os versos em coro “La espada y la pared / Me atraviezan y no al revés”.

 

 

 

– “Por que no se van” – Los Prisioneros

Aqui é ska, pop e new wave chileno. São reconhecidos como os pais do novo pop chileno, “a verdadeira banda do povo”, surgidos em 1979 e influenciando toda uma geração de artistas e grupos no país. Foram seguramente o porta-voz e a resistência de toda juventude nos anos de chumbo da ditadura de Pinochet. “Por que no se van” faz parte do disco “Pateando Piedras”, de 1986. Foram duramente censurados e banidos após defenderem publicamente o voto “No”, no referendo popular que chutou a bunda do ditador para fora do Governo.

 

 

– “Todo el karma” – La Vela Puerca

Representante uruguaia da lista, La Vela Puerca é, talvez, o grupo de maior expressão no rock do país e o que teve uma carreira internacional bem consolidada. Também adeptos da mistura de ritmos – punk, ska, rock e ritmos tradicionais uruguaios – o grupo, formado em 1995, continua atuante e lotando os seus shows por onde passa, seja no Uruguai, na Argentina ou nos demais países da AL. “Todo el karma” é o típico rock de arena: para cantar e pular juntos, um épico uruguaio.

 

 

 

– “La ingrata” – Café Tacvba

Toda a mistura de ritmos, principalmente rock com sons locais e tradicionais mexicanos, apontada pelo Maldita Vecindad foi aprimorada e elevada pelo Café Tacvba. Curiosamente, o Café Tacvba sai do anonimato após entregar uma fita demo ao Maldita Vecindad, que faz a ponte com o produtor Gustavo Santaolalla. Ele percebe que há algo de muito bom escondido numa demo mal gravada e o resto é história. O Café Tacvba logo se transforma na mais autêntica banda de rock mexicano e a que alcança maior visibilidade fora do país, isso antes do Maná.  Ouvir o Café Tacvba é uma experiência única e que te leva a poucas (ou nenhuma) comparações. Nada é igual ao som que o grupo propôs e realizou durante toda a sua carreira. “La ingrata”, do disco “Re” (1994), é a essência do Café Tacvba – ouça e comprove.

 

 

– “Lluvia al corazón” – Maná

O Maná é o rock mexicano e latino elevado à categoria de superbanda. É o rock de arena, que rompe definitivamente as barreiras de língua, chuta a porta do establishment e coloca o rock cantado em castelhano nos principais festivais do mundo, lotando as principais casas de espetáculos nos EUA e Europa. Vencedor de vários prêmios Grammy, MTV Awards e com mais de 40 milhões de discos vendidos, o Maná é, definitivamente, a banda de rock latino de maior sucesso comercial. Ficaram maior que todos os outros grupos e tomaram outros públicos. “Lluvia al corazón” é da fase da banda já consolidada e abraçada com o sucesso comercial, lançada em 2011 no disco “Drama y luz”

 

 

-“Pasajera en Trance” – Charly Garcia e Pedro Aznar

Pedro Aznar é um dos membros originais do Seru Giran. Além disso, ele é um dos maiores baixistas da música mundial, já tendo tocado com Pat Metheny e mantém uma carreira solo bem extensa em sua Argentina natal. Charly, como já vimos, é um monstro sagrado da música da América Latina. Esta canção está num EP lançado em 1986, chamado “Tango”. A melodia, construída ao teclado, secundada por baterias eletrônicas e bela linha de baixo, é emblemática de toda uma produção pop rock portenha. A letra é linda e tem versos como “El amor és como dormir y estar desperto”. Um clássico atemporal.

 

 

Leonardo Salomão

Leonardo Salomão é jornalista, produtor, gestor cultural e curador. Trabalha com projetos culturais há mais de 20 anos. Foi o produtor executivo das casas de espetáculo Olimpo e Canecão, criador e gestor de projetos musicais no Sesc Rio, coordenador do Teatro Sesc Ginástico e analista de programação da Fundição Progresso. Hoje, na Luz Produções, além de pensar e criar projetos na área musical, coparticipa como booking dos artistas Elza Soares e Flávio Renegado. Faz coisas que não sabe explicar, como ter 17 discos do Fito Páez em sua coleção. É também vascaíno, salgueirense e pai do Tomás.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *