Não se fala de AI-5 em vão

 

 

A banalização é uma das grandes características dos discursos já faz um bom tempo. Ela é uma ferramenta importante e consciente, utilizada com vários objetivos. Ontem o deputado federal Eduardo Bolsonaro disse que, “se a esquerda radicalizar seu discurso contra o governo, deve ser combatida por medidas, como um novo AI-5”. Esta é uma fala que o Brasil nunca viu. A banalização da ditadura civil-militar, ao alcance dos ouvidos moucos e das falas tortas, emburrecidas pela truculência. Mas há algo pior: o desvio da atenção da opinião pública em relação às graves suspeitas levantadas pelo envolvimento da família Bolsonaro com o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, em março do ano passado.

 

Foi só Eduardo falar este absurdo que as redes sociais responderam prontamente com incentivo e repúdio. Claro, de um lado, os partidários do governo, afeitos à truculência política dos tempos dos militares, sedentos por censura e restrições – porque o AI-5 foi, em última instância, um endurecimento do regime implantado em 1964. Do outro, os que negam tal absurdo, com postagens didáticas sobre o que foi o Ato Institucional, relatos de veículos de comunicação estrangeiros sobre a burrice de tal fala, e por aí vai. Até eu postei algo bem malcriado – radicalizado – sobre os eleitores da família governamental. É difícil passar batido, eu sei.

 

Mas veja, para combater tais atos existem as instituições. Por mais que estejam em época ruim, elas estão aí para se manifestar quando algo é feito e a apologia explícita a tempos trágicos, de não-democracia, é punível de várias formas. Os Bolsonaros, aliás, têm forçado os limites do bom senso institucional com seus posicionamentos. É uma nova e radical direita, que nunca esteve no poder. Nossa tradição eleitoral e governamental é essencialmente conservadora, mas nunca tivemos algo como o que vivenciamos hoje. Fora a sucessão de burrices e trapalhadas protocolares aqui e no estrangeiro, somos obrigados a conviver com um governo inoperante em relação aos aspectos mais importantes do país: geração de emprego, de emprego e diminuição das desigualdades sociais como pontos de partida para que o Brasil saia da estagnação econômica. Quais as medidas que o governo tomou neste sentido? Pois é, nenhuma e, ainda por cima, enfraqueceu/extinguiu as que haviam dos governos anteriores. Mas disso você sabe.

 

Em relação ao AI-5, é bom que se diga: foi um episódio que nunca deveria ser esquecido, nem que fosse para as gerações futuras terem ideia do quão longe pode ir um governo que busca se manter no poder sem contestação. Foram extintas as liberdades individuais, o habeas corpus e impostas severas restrições ao direito de manifestação, da imprensa, enfim, foi assumido pelos militares que eles governavam o país sem democracia, o que, bem, já ficara explícito por sua chegada ao poder sem eleições. Há quem diga, como o historiador Rodrigo Patto, que tal medida teve um aspecto punitivo e restritivo em relação aos apoiadores civis do governo, tantos que o regime passou a ser chamado de ditadura civil-militar. Basta olhar em volta para que vejamos como há civis que gostam por aí que não se importam com a perda da liberdade de expressão. Tenho certeza que você conhece vários, infelizmente.

 

A gente segue esperando explicações sobre as terríveis coincidências da vizinhança da família governamental, do envolvimento do governador do Rio, Wilson Witzel, aquele que vibra com mortes, sobre o processo de investigação do assassinato de Marielle Franco, sobre a perícia dos áudios da portaria, sobre a isenção da procuradora que posta fotos vestindo camiseta com o rosto do atual presidente e do envolvimento deste e de seus filhos com a milicia. Sobre o AI-5 e a truculência política, esperamos que haja punição das instituições, já que, desde sempre, elas “estão funcionando normalmente”.

 

Aproveitando: quem mandou matar Marielle?

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *