Nadedja fala da transitoriedade da vida com o carisma do alt-pop

 

 

Primeiro single do EP “Transient”, “Unfold” é uma daquelas faixas que chegou mostrando para o que veio: tocar repetidamente nos nossos ouvidos. Esperei ansiosamente pelo lançamento oficial do single, pois havia conversado com a Nadedja e escutado a faixa pelo menos dois meses antes da data que viria às plataformas digitais. Finalmente o dia 15 de janeiro de 2021 chegou, e com ele esse trabalho precioso feito por uma artista incrível que admiro já há muito tempo.

 

 

Apesar de “Unfold” ser um trabalho completamente novo e um tanto diferente da artista, Nadedja não é somente uma revelação. Para o lançamento do novo single, a artista percorreu uma longa estrada. Nordestina natural do Piauí, Nadedja lançou oficialmente sua carreira musical em 2019 no Reino Unido. Suas maiores influências são os gêneros pop-folk, R&B, soul , alt-pop e, claro, também as raízes fortes da nova MPB.

 

Desde então, a trajetória de Nadedja foi de crescimento. Depois que assinou com a gravadora AWAL em 2019, a artista é destaque na ‘BBC Introducing’ e se apresentou em duas live sessions, tendo seus singles votados como as faixas da semana. Tem tido destaque em programas no horário comercial e uma de suas canções foi utilizada como trilha sonora do podcast “BBC Sounds”, “The Next Episode”, além de ter um dos seus clipes transmitidos na “BBC Introducing Tees”. A artista tem rodado pelo norte da Inglaterra, se apresentando em festivais pelo Reino Unido, incluindo alguns como o “Latitute”, o “Dot to Dot”, o “Songs From Nothern Britain” e o “Platform”. Além disso, já abriu grandes shows internacionais de nomes como Cattle & Cane e Rose Counsins.

 

“Unfold” é uma dessas faixas que mesclam várias influências e demonstram o talento de Nadedja como cantora e compositora. Em muitos momentos somos capazes de sentir que o single segue a nova e interessantíssima geração alt-pop de nomes como Jessie Ware, HAIM e Phoebe Bridgers. Ao mesmo tempo, também pude presenciar nomes clássicos e consagrados como Fleetwood Mac, George Harrison e Norah Jones. Por isso, estamos falando aqui de uma artista original, independente e criativa. Para que “Unfold” nascesse, Nadedja foi criando o seu próprio home studio, experimentando sons e se deixando levar pelas ondas de suas novas composições. Para isso, usou um sofware de gravação que permitiu essas experimentações, o Logic Pro X.

 

Como compositora é preciso frisar o seu talento de uma maneira especial. Isso porque a letra de “Unfold” é autêntica, cheia de verdade e nos embala para imaginar a nossa própria história. E talvez more aí uma das magias que o artista é capaz de nos proporcionar com a sua música: aquela de nos projetarmos em sua obra, de nos imaginarmos como protagonista naquela história que ele quer nos contar. E Nadedja faz isso de um jeito singular. Para a composição de “Unfold”, ela conta que explorou o tema de transitoriedade e da mudança que nos acomete e se torna uma das regras primais de nossa vida.

 

Colocando sensibilidade, é possível perceber como a construção musical da faixa também nos leva a esse tema de transitoriedade. “Unfold” começa com um suspense, dando destaque à voz aveludada de Nadedja e explode em uma cativante composição pop, misturando instrumentos eletrônicos com aqueles “antigos e habituais”, dando à canção uma estrutura orgânica, original e encantadora.

 

Nadedja conta que para compor “Unfold”, teve de mergulhar ainda mais profundamente na sua própia solitude. A canção foi feita aos poucos, durante vários dias em meio ao lockdown. No decurso da composição do single, a cantora conta que conversava com diversas pessoas que amava, mas que estavam longe – dos amigos à família que moram no Brasil. É possível, portanto, compreender que “Unfold” nos traz um lado mais intimista e complexo da artista, além de muita sentimentalidade.

 

Os vocais nos chegam sussurrados, como se nos contassem os segredos mais delicados de sua vida, relembrando a introversão espirituosa de um George Harrison em “All Things Must Pass”. A entrega de Nadedja é real e nos envolve para um conceito intimista do seu e do nosso mundo particular. Em um mundo pandêmico, sua canção nos lembra os motivos de olharmos para dentro de nós, de resgatarmos a nossa essência e de conservarmos as conexões com o mundo e as pessoas a nossa volta, ainda que sejam estes frutos de momentos efêmeros que logo se dissiparão.

 

“Unfold” é um convite para mergulharmos nas nossas profundezas, mas com ternura e gentileza. Pelo visto, mergulhar nas profundezas é uma das razões que nos levam à maturidade. E a maturidade de Nadedja é facilmente perceptível em seu novo single, sendo esse trabalho uma celebração da sua crescente confiança como artista. Somos apresentados a uma faceta de sua personalidade mais viva que quando se une à construção alt-pop extremamente apaixonante nos faz ouvir a canção em looping, celebrando a ascensão de uma artista brasileira e piauiense que nos mostra com graciosidade e energia que veio para ficar, se amplificar e se consagrar em um dos meios musicais mais criativos dos nossos tempos.

 

 

Leia a seguir uma entrevista com artista especial para a Célula Pop:

 

Como Unfold te fez amadurecer como artista?

 

‘Unfold’, desde o início, representou uma redescoberta dentro do meu processo criativo.  Apesar de eu compor desde muito cedo (12 anos), eu demorei muito pra explorar diferentes formas de escrever. Eu sempre escrevia como uma forma de processar os meus sentimentos, de maneira bruta e rápida. Até hoje é um pouco assim. Mas o tempo que eu levo, hoje em dia, é bem mais longo, tanto pra processar os sentimentos, quanto pra aperfeiçoar as músicas. Cada palavra, melodia, detalhes da produção são minimamente pensados, e eu tenho muito orgulho de ter desenvolvido novas formas de criar. Uma coisa que começou como uma intuição, hoje em dia, se tornou um oficio. E ‘Unfold’ marca o inicio dessa nova fase, por isso que acredito que me fez amadurecer muito como artista.

 

Você disse que esse single foi produzido apenas por mulheres. Quais foram os desafios que você encontrou (ou encontra) na sua carreira que tocam essa questão de gênero?

 

Infelizmente, existe muito pouca representatividade feminina, quando se trata da parte de produção musical. São raríssimas, as produtoras musicais ao redor do mundo. Durante a minha vida, eu já vivi inúmeras situações em que isso é bem claro: rola muito “mainsplaining” comigo e amigas próximas, muitas pessoas que subestimam, ou até mesmo que vêm te dar “opiniões”, que nunca foram pedidas. Eu já fui questionada, por exemplo, se os produtores que eu já trabalhei no passado, tentaram me convencer de seguir um certo estilo de produção, se eu tinha “vendido” minha arte. Quando na realidade, eu sempre tive muita autonomia, capacidade e opiniões fortes sobre minhas escolhas na hora de criar, produzir e lançar minhas músicas.

 

Como esse momento histórico do lockdown moldou a sua sensibilidade para compor Unfold?

 

‘Unfold’ é totalmente fruto do lockdown. Liricamente, ela explora o isolamento, as angústias, as incertezas, mas principalmente, explora a importância de se ater às conexões que nós fazemos com nós mesmos, e com os outros. ‘Unfold’ também fala de transformação interna, crescimento pessoal, a efemeridade dos momentos e movimento. Todos esses temas, de alguma forma, exploram questões que o lockdown trouxe. E por isso, eu torço pra que as pessoas se identifiquem, e se sintam abraçadas, através dessa música.

 

Quem são as suas maiores inspirações musicais? Essas inspirações também estão presentes em Unfold? Se sim, de que maneira

 

De um modo geral, eu sempre ouvi muito Norah Jones, Sara Bareilles, Tom Petty and The Heartbreakers, Johnny Cash, Florence + the Machine, mas hoje em dia, a artista que mais me influencia é a Maggie Rogers. E eu acredito que essa referência é bem clara, não só em ‘Unfold’, mas nas outras músicas desse EP também. A Maggie me abriu os olhos pro mundo do alt-pop, indie-pop, e durante uma fase bem difícil da minha carreira, me ensinou a amar música novamente. Em ‘Unfold’, especificamente, essa inspiração tá na construção da letra, na batida, nas mil harmonias dos backing vocals, e principalmente, no fato de que, essa é uma música que cresce bastante, em pouco tempo.

 

Qual lado da Nadedja podemos encontrar em Unfold?

 

Um lado mais explorador, real, energético, uma sonoridade mais representativa de mim, e ao mesmo tempo, a mesma honestidade nas letras, o mesmo coração aberto de sempre.

 

Após o lançamento de Unfold, como você se imagina compondo e produzindo daqui para frente?

 

Na verdade, ‘Unfold’ é apenas a primeira música de um EP que devo lançar em 2021 ainda. Algumas músicas já estão prontas, outras retomam o processo de produção agora em Janeiro. Mas de um modo geral, meu processo de composição e produção tem sido bem próximo do de ‘Unfold’: dividido entre instrumentos e softwares, entre sons naturais e sons eletrônicos. Tem sido uma jornada muito gratificante, cheia de descobertas e desafios. E no futuro, eu me imagino explorando novos instrumentos, talvez mais sonoridades latinas, brasileiras; além de mais colaborações com outros compositores. Mas vamos ver né, eu mudo o tempo todo, então não posso prometer nada (risos).

 

Por fim, como você descreve o maior propósito do seu trabalho?

 

Acho que o maior propósito do meu trabalho é oferecer pro meu público o mesmo que meus artistas favoritos oferecem à mim: um abraço apertado nos dias difíceis, a alegria de começar bem uma sexta-feira, um momento pra me conectar comigo mesma, a trilha sonora de uma memória especial. Tudo que mais almejo é saber que do outro lado tem alguém que se identifica com o que eu escrevi. E me sinto muito grata, todo o tempo, por todas as mensagens de carinho que recebo nesse sentido. Esse realmente é o meu propósito: passar uma verdade que consegue ser sentida do outro lado.

 

Maisa Carvalho

Maísa Mendes de Carvalho é piauiense com toques paulistas, advogada, criadora e apresentadora do Distorção Podcast, amante das artes humanas e apaixonada por música.

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