Mita Festival: Gil absoluto, D2 em evolução

 

 

O Mita Festival chegou ao Rio de Janeiro nos dias 21 e 22 de maio e estivemos lá para dar uma conferida. No primeiro dia, por uma série de questões envolvendo engarrafamentos, atrasos nossos e outras questões, a cobertura ficou prejudicada. O Jockey Club do Rio de Janeiro, ainda que seja um local belíssimo, não é exatamente perfeito para shows com mais de um palco. No caso do Mita, eram dois, além de vários espaços de convivência, lojinhas, barzinhos, enfim, um “vilarejo” montado onde correm os cavalos habitualmente. Por conta das soluções habituais para prevenir alagamentos – areia, brita – o chão ficou acidentado e tudo um pouco confuso. Mesmo assim, chegamos lá na hora em que o grupo Heavy Baile fazia seu show. Os caras fazem uma sonoridade que mistura funk, tecno brega, remixes, timbres eletrônicos e têm hits consolidados junto ao público, como, por exemplo, “Grelinho de Diamante”. Com um contingente pequeno, mas animadíssimo, o grupo encerrou sua apresentação e, logo em seguida, os irlandeses do Two Door Cinema Club pisaram o outro palco. Um trio de baixo, guitarra e bateria, com um tecladinho ocasional, o TDCC mostrou-se desenvolto no palco e arrancou muitos aplausos dos fãs, abrindo com “I Can Talk” e mandando, logo em seguida, o hit “Undercover Martyn”. Fecharam com “What You Know”, seu maior sucesso, e mostraram que têm um público fiel. Bom show.

 

Pois é, nada de análise de shows de outras bandas, especialmente o The Kooks e o headliner, Gorillaz. Porém, uma análise na apresentação do grupo de Damon Albarn via LiveNation, mostrou que o Gorillaz deixou pra trás a sua origem pictórica e sobe ao palco como uma banda de carne e osso, o que é legal. A sonoridade oscila entre o alternativo, o eletrônico e o hip hop, com razoável desenvoltura, mas, confesso, não sei se teria disposição para ver um show com 26 músicas dos caras. Claro, no meio deste roteiro, canções bacanas de todas as fases da carreira deles – já são mais de 20 anos – como “Feel Good Inc”, “Andromeda”, “On Melancholy Hill” e “Stylo”, mas, repito, é muito. De resto, o megasucesso “Clint Eastwood” chega já no bis, com a participação do rapper inglês Sweetie Irie, que assina um remix dançante da canção, emendado na versão original. A apresentação fecha com “Demon Days” e é isso. O Gorillaz é algo para se ouvir com máxima qualidade, sacar os detalhes da produção e as ideias de Damon Albarn e sua turma de colaboradores nos fones de ouvido. Ao vivo, no palco, é uma banda comum.

 

No domingo a ideia era chegar para ver Marcos Valle e Azymuth, mas, novamente, a distância entre Gávea e Niterói nos pregou uma peça. Chegamos com o show da Letrux recém-iniciado e foi possível constatar que a banda, apesar de ótima, é para espaços menores. A apresentação é baseada na boa estreia que foi “Em Noite de Climão”, de 2017. Dele vêm as canções que sacodem o público, especialmente “Ninguém Perguntou Por Você”, que é cantada em coro pela galera. Mas, repito, é um show que rende melhor em outro contexto.

 

Em seguida, o inglês Tom Misch adentrou o palco principal com uma proposta bem comum ao pessoal de sua geração – ele é inglês e tem menos de 30 anos -: fazer uma mistura de timbres jazzísticos, com hip hop e alguns tons eletrônicos. É outro caso de som que se configura melhor se ouvido em fones, com calma e sossgo. Num palco aberto, sob um sol surpreendente para o outono carioca, especialmente em meio à frente fria que esteve presente nos últimos dias, Misch acabou soando com alguém que estava no palco executando remixes de canções mais ou menos familiares. Boas intenções estavam presentes, mas o público começou a dispersar e a banda do sujeito – que era boa – não conseguiu reverter a situação. Não empolgou, pelo contrário.

 

Empolgação foi tudo o que se viu no show de Marcelo D2. É impressionante como ele é um artista em evolução musical constante, ainda que suas canções ainda carreguem a ladainha da “batida perfeita”, mas, no palco, com uma ótima banda a lhe sustentar, D2 é muito eficiente. Tem domínio de cena, entende o que está acontecendo em todos os setores do show e entrega tudo com bons raps, amparado pelo filho Stephan. No telão várias projeções e filmes realizados por sua mulher, Luiza Machado, que também apareceu no palco. Digna de nota é a participação de Mamão (baterista do Azymuth) e Marcos Valle, que retornaram para avalizar o uso de “Mentira” (de Valle), que foi mencionada na canção “Contexto”, faixa do álbum “A Invasão Do Sagaz Homem-Fumaça”, do Planet Hemp.

 

Após D2, no palco principal, veio Gilberto Gil e sua banda, uma quase reunião de família, com a presença do filho Bem Gil (guitarra e baixo), sua neta, Flor Gil (vocais de apoio), o baterista Marcelo Costa e Guilherme Lírio (baixo e guitarra). Com um elegante traje cor de rosa, cheio de animação e uma vitalidade invejável, ele subiu ao palco saudando o público, que já estava em suas mãos. O show se dividiu em uma parte mais acústica – e até educativa – com Gil ao violão enfileirando sucessos do início de sua carreira, como “Expresso 2222” e “Viramundo”, misturando com lindezas atemporais do porte de “Upa Neguinho” (de Edu Lobo, imortalizada por Elis Regina) e “É Luxo Só” (de Ary Barroso”, sem esquecer sua versão tropicalista para “Chiclete Com Banana” (Gordurinha e Almira Castilho).

 

Em seguida, Gil chamou Flor para cantar “I Say A Little Prayer”, de Burt Bacharach, famosa pela interpretação de Dionne Warwick. A menina deu conta do recado e começou a encantar a plateia com sua delicadeza e timidez, que foram sendo vencidas ao longo do show. A partir daí, Gil interpretou “Drão” e iniciou a segunda parte do show, em que visitou seu repertório mais conhecido, com “Palco”, “Andar Com Fé”, “Aquele Abraço”, além de “Goodbye My Girl”, versão em inglês de “Norte da Saudade”, faixa de “Refavela”, que entrou em “Nightingale”, seu álbum de 1978, em novo dueto com Flor. Destaques absolutos: a crueza rock de “Back In Bahia” (até hoje uma de suas melhores canções), a excelência emocionante de “Tempo Rei”, o resgate oportuno de “Madalena”, faixa do subestimadíssimo álbum “Parabolicamará” (1991) e o fecho apoteótico com “Toda Menina Baiana”, que contou com a adesão de Bela Gil, Preta Gil (suas filhas) e Sol Gil (sua neta) no palco.

 

Com um entardecer que mais parecia obra de um pintor impressionista, uma plateia receptiva e encantada, e prestes a completar 80 anos, Gilberto Gil vivo e bem é um desses privilégios que a vida oferece a quem está por perto.

 

O Mita ainda traria os shows do bom trapper Jão, alçado a uma posição de protagonismo no cenário da música pop nacional e o grupo australiano Rüfüs Du Sol, deixando evidente que, em meio a tantas atrações jovens, nacionais e internacionais, a presença de Gil é única e especial. Valeu. Valeu muito.

 

Foto: Soraya Lucato

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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