Meio Springsteen, meio Ryan Adams, conheça Brian Dunne
Brian Dunne – Loser On The Ropes
45′, 11 faixas
(Kill Rock Stars)
Existe uma habilidade não escrita que alguns bons colecionadores de discos se orgulham de ter: avaliar um álbum apenas por sua capa. Ainda que aposentado da compra de mídia física há algum tempo, ainda pareço ter essa capacidade de julgamento devidamente calibrada. Foi dar de cara com “Lost On The Ropes”, terceiro trabalho do até então desconhecido Brian Dunne, e ter a certeza absoluta que se tratava de um álbum merecedor de uma audição dedicada. A recompensa veio logo nos primeiros instantes da faixa-título, que envolve o ouvinte com um instrumental familiar, que vai crescendo a partir de uma canção folk de violão e voz, incorporando sintetizadores discretos e, ao fim de seus pouco mais de quatro minutos, o ouvinte tem a certeza de que não deverá interromper o percurso de onze faixas até que chegue no fim. É disso que os bons discos são feitos e “Lost On The Ropes” é dessa estirpe.
Brian Dunne, você deve estar pensando, é um nome praticamente desconhecido em termos de Brasil. Eu mesmo, que empreendo boa parte do tempo em audições, pesquisas e descobertas de artistas interessantes, nunca ouvi falar do sujeito. Bonitão, nascido no interior do estado de Nova York, de pai metalúrgico e mãe professora, Brian começou a tocar violão com seis anos de idade. Alguns anos mais tarde ele e a família se mudaram para a cidade de New York, lugar que se tornou seu habitat social e cultural. Aos poucos, na medida em que começou a compor suas primeiras canções, Brian se apaixonou por gente como The Pretenders, Modern Lovers, Dire Straits e Bruce Springsteen. Desse arcabouço de influências saiu seu som, que incorpora contos e pequenas odisseias pessoais de gente – verdadeira ou não – em busca de alguma realização pessoal em meio ao caos constante que é o mundo. Em entrevista recente, o sujeito disse preferir a humanidade e a humildade dos fracassos pessoais em vez dos triunfos gloriosos. “É algo mais humano”, disse Dunne. E ele está certo.
Sendo assim, não espanta que, quando o sujeito vai se inspirar na vasta carreira de alguém como Bruce Springsteen, prefira, justamente, “Tunnel Of Love”, o álbum em que Bruce desfila seu absoluto fracasso no primeiro casamento, entregando o coração numa bandeja para quem quiser ouvir. E essa abordagem da música pegando como fio condutor a fraqueza que todos carregamos – mas que escondemos – dá ao resultado um contorno familiar e que abre os braços para quem quiser chegar. Afinal de contas, quem nunca se deu mal, fracassou ou levou uma bela rasteira da vida? Só que este aspecto não dá contornos depressivos à música que Brian produz, pelo contrário. Todas as onze faixas deste álbum são terrivelmente melódicas, belas e com boas sacadas de arranjo, além de demonstrar um bom senso pop, algo que torna a audição ainda mais bacana. E, como mencionamos acima, o sujeito tem ótima mão para escrever pequenos contos cotidianos, que aproximam o ouvinte de suas próprias experiências e visões de mundo. Ou seja, ao ouvir “Loser On The Ropes”, a gente embarca num pequeno universo de troca de vivências. Funciona.
A rigor, este álbum não tem uma única canção ruim. Todas, sem exceção, são bem pensadas e otimamente arranjadas. Já descrevemos um pouco da faixa-título mais acima, portanto, vale destacar outros detalhes e méritos nas outras canções. A brejeira e fofa “Stand Clear Of The Closing Doors” é irresistível e alterna uma boa condução de guitarra que vai crescendo em meio à ótima estrutura melódica oferecida por Dunne. “It’s A Miracle” já é um proto-rock alternativo dos anos 1990, no sentido Barenaked Ladies do termo, ou algo assim, ou seja, não pesa, não oblitera, apenas induz à marcação do ritmo marcial com os pés ou mãos por parte do ouvinte. “The Kids Are All Grown” é outra lindeza de canção melódica com letra triste sobre o passar do tempo e os arrependimentos que vieram com isso. O arranjo mantém sintetizador fazendo ambiência e baixo-bateria-guitarra como principais vias de acesso para a melodia e o canto. Parece Tom Petty, caso este tivesse, no máximo, 30 anos hoje. “Sometime After This” tem um arranjo que pega emprestada alguma harmonia do alt-country mas coloca efeitos e filtros nos vocais, dando uma impressão meio psicodélica ao resultado final. “Optimist” é outra pequena obra-prima, com pianos envolvidos na condução, ótimos vocais e uma aura … otimista, lembrando um pouco a melodia de “Badlands”, de Bruce Springsteen. Falando nele, “Thinking Of A Place” é a mais springsteeniana canção do álbum, lindeza total, abrindo caminho para a parte final, que tem a plácida “Call It A Witness”, a encrespada “Bad Luck” (outra lindeza) e a apoteótica “Something To Live For” devidamente encadeadas.
Brian Dunne pode nem produzir outro álbum em sua carreira. Ou, sei lá, entrar num looping obsessivo de lançamentos como o próprio Ryan Adams tem hoje em dia, mas este “Loser On The Ropes” é um bálsamo para quem gosta de ouvir esse tipo de reflexão existencial feita por jovens americanos esclarecidos, que vêm e vão por aí e que, aos nossos olhos e ouvidos, parecem não existir. Discaço.
Ouça primeiro: “Lost On The Ropes”, “Optimist”, “The Kids Are All Grown”, “It’s A Miracle”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.