Max de Castro – Os 20 Anos de Samba Raro

 

O panorama musical do Brasil era desolador no fim dos anos 1990. Ondas intermináveis de artistas de Axé Music, Pagode romântico e popstars de gosto duvidoso como Vinny (com seu hit “Heloísa Mexe A Cadeira”), Maurício Manieri e o grupo LS Jack dominavam as paradas de sucesso e nada parecia ser capaz de inovar. Os grupos do Rock brasileiro dos anos 1980 pareciam enfrentar um momento difícil em termos de criatividade, embebidos nas marés dos discos tributos (Titãs com As Dez Mais) e derivados de especiais de TV (Paralamas do Sucesso com Acústico MTV), aumentando ainda mais a aridez do cenário.

 

As bandas surgidas nos anos 1990 eram consistentes, especialmente Raimundos, Planet Hemp e Skank, e seguiam um rumo próprio, com a geração punk/hardcore/emo começando a dar as caras. Gente como Charlie Brown Jr, CPM22 e NX Zero, especialmente. Além deles, uma promessa: Los Hermanos. Só que nada parecia muito certo ou promissor, ainda mais pela crise da indústria fonográfica, que colocaria em xeque a maioria das carreiras desse pessoal logo nos anos seguintes. Neste panorama, algo inesperado parecia acenar com possibilidades reais de alguma mudança nesse cenário: a chegada de duas novas gravadoras, a Abril Music (1998) e a Trama (1999). Das duas, a segunda parecia muito mais revolucionária e ligada no que acontecia além das fronteiras nacionais.

 

Com uma proposta inovadora, na qual estava incluído um abraço às possibilidades de uso da Internet para divulgação de artistas (algo impensável no Brasil de 1999), a Trama também vinha com uma fornada de novíssimos artistas, devidamente conectados com o que havia de mais moderno na música Pop internacional, sobretudo no seu segmento Eletrônico. Dentre os lançamentos que se constituíram numa espécie de cartão de visitas da gravadora, estava “Samba Raro”, disco de estreia de Max de Castro, filho mais novo de Wilson Simonal. É bom frisar que o pai de Max morreria cerca de um ano após o lançamento do álbum e experimentava grande angústia por seu banimento da indústria do disco e da mídia, erro que seria consertado só recentemente. O importante é que ele teve tempo de acompanhar esta verdadeira obra prima que Max concebeu. Seu irmão, Simoninha, também lançaria disco pela Trama pouco depois, o bom “Volume 2”.

 

“Samba Raro” é um daqueles álbuns que cumprem sua função de mapear pequenos universos, neste caso, aquele habitado por fãs e conhecedores de Black Music mundial, mas com pós-graduação nas sonoridades negras imaginadas e executadas no Rio de Janeiro do fim dos anos 60 até meados dos anos 70, com ênfase no que conhecemos por Black Rio. Mais que isso: Max se propunha a pegar essa lógica adquirida de melodias, discos raros, peregrinações por sebos e um certo sentimento de justiça por ser feita e reempacotar tudo, com vistas a fazer um salto warp para o futuro. O conceito de “Samba Raro” é de ser moderno naturalmente, totalmente contemporâneo, atual, ainda atemporal hoje. Para isso, além de nuances do passado, ele insere elementos atuais, como Hip Hop, Drum’n’Bass, efeitos e loopings de todos os tipos, cores e tamanhos. Composto, tocado, gravado e produzido por Max, o que temos é uma pequena joia de improviso e realização em laboratório/quarto dos fundos, apinhado de discos de vinil e aparelhagem de som obsoleta.

 

As batidas que permeiam o disco são maravilhosas e não parecem executadas em artefatos eletrônicos. Cada faixa é uma pequena homenagem a um baluarte da música nacional, partindo da faixa título, dedicada a Jorge Ben, desaguando na angulosa e dançante “Afrosamba”, que pega emprestado nome e conceito diretamente de Baden Powell e cita sua clássica “Canto de Ossanha”, que ele gravou com Vinícius de Moraes em meados dos anos 60. “Pra Você Lembrar”, parceria de Max com Bernardo Vilhena (letrista de gente como Lobão e Ritchie) cita explicitamente “Sonhos de Um Carnaval”, do primeiríssimo disco de Chico Buarque e a despe de qualquer esperança, trazendo um inesperado e inédito cenário de “carnaval cinzento” na cidade grande.

 

“Ela Disse Assim” continua o passeio por essa galeria da música brasileira recente e conduz até “Rapadura”, com participação do grupo paulistano Camorra. A Banda Black Rio é a inspiração de “Onda Diferente”, graciosa e sensível como uma tarde de sol na Praia de Copacabana durante o outono. A parceria com Vilhena ressurge em “1 Flash”, que evoca décadas de música romântica brasileira não-bundona, conectando a proposta com a malícia e o veneno necessários. Não à toa, é dedicada a Carlos Imperial. “2 Bailarinas” dá andamento através de uma recriação do que era conhecido como “Samba Pop” ou “Samba Rock”, romântico, oblíquo e próximo de gente como Bebeto e Originais do Samba. “Você e Eu” é o desfecho de “Samba Raro”, segundo Max, nas notas sobre cada canção contidas no disco, um aceno à obra de Roberto e Erasmo Carlos, algo palpável no clima de romance implícito.

 

Max de Castro tem outros três discos, “Orchestra Klaxon” (2002), “Max de Castro” (2005) e “Balanço das Horas” (2006), todos pródigos na missão de dar prosseguimento a uma tradição de artistas devidamente versados no idioma da música negra brasileira, mas com a consciência de que ela faz parte de um mundo que se atualiza. Todos são relativamente fáceis de achar por preços não abusivos. Se você se interessa pelo assunto, corra. Dos quatro, “Samba Raro” é o mais audacioso e triunfante. Seu vigésimo aniversário é uma marca invejável e imperceptível, visto que o disco, suas canções e ideias, seguem novíssimos. Aliás, talvez nada na música brasileira seja ainda tão novo quanto ele.

 

 

 

 

Adaptado a partir de texto publicado no Monkeybuzz em 17 de março de 2014.

Leia o original aqui

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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