Maurilio Meirelles, RIP

 

É preciso que se diga: teve um tempo em que não havia Internet. Tudo, absolutamente TUDO era diferente. Pense em algo e eu te afirmarei que era bem diferente de hoje. O ato de ouvir música, por exemplo. Só no rádio ou na TV. E, claro, em casa, via fitas e discos. Desta lógica se ergueu um mundo de afetos, simpatias, trocas e transmissão de conhecimento. E, para quem gosta de música, as lojas de disco eram entrepostos destes afetos, destes saberes. Para quem já estava nessa vida, perdê-las é uma constatação triste e inevitável. Toda cidade do país – provavelmente do mundo – tem a sua saudade por lojas de disco e por estes símbolos.

 

 

Eram lugares de encontro, de aconselhamento, de descoberta ou redescoberta. Falo disso porque faleceu ontem, no Rio, o Maurilio Meirelles, que, por muitos e muitos anos, foi dono da SubSom, uma das lojas de disco mais importantes da cidade.

 

Eu morei em Copacabana até 1999 e depois voltei para lá em 2005, saindo definitivamente em 2007. Logo, não tive minha infância musical na SubSom, como muitos amigos tiveram. Havia em Copa um número enorme de lojas, grandes, pequenas e enormes, além das cadeias de varejo, como Americanas, que tinha sua seção de discos bem respeitável. Mas não havia uma loja como a SubSom, que aliava raridades roqueiras com títulos de black music e alguma concessão ao chamado mainstream. Mas, entenda: “mainstream” nos tempos de glória da SubSom era Hall And Oates, coisas assim. Era uma outra época, o que contava para os fãs consumidores e frequentadores da casa era o rock mais clássico, o progressivo e, mais tarde, alguns títulos alternativos que foram surgindo, no sentido Smiths/Echo And The Bunnymen do termo.

 

Tive meu tempo de SubSom quando namorei uma menina que morava perto da Praça Saens Peña. Eu costumava visitar a loja com certa frequência, pois chegava cedo à Praça e matava o tempo ali, em meio às prateleiras de vidro da pequena loja. Houve um tempo em que a SubSom se chamava Yara Discos, mas esta época eu não vivi. Quando a encontrei, já tinha o nome espertíssimo, porque ficava no subsolo de uma galeria tijucana, surgindo de imediato para quem pegava a escada rolante rumo àquele pavimento. A sensação de ir descendo e vendo a vitrine da SubSom surgindo aos poucos é única e só quem viveu isso sabe o que digo.

 

Vi depoimentos emocionados de frequentadores e amigos queridos. Marcus Moura, Raul Branco, Ed Motta, Romanholli (baixista do Picassos Falsos) e mais um sem-número de fãs de música que tiveram sua formação marcada definitivamente pela existência da SubSom. Eu nunca conversei longamente com Maurilio, mas foi ele que, sem saber, encerrou um dos maiores mistérios da minha vida musical até então. Foi na SubSom que eu encontrei uma cópia em vinil de “Two Wheels Good”/”Steve McQueen”, do Prefab Sprout, que viria a ser o meu disco preferido dos anos 1980, após procurar loucamente por várias lojas sem encontrar qualquer pista da banda. E isso foi lá por 1990, certamente. No mesmo dia eu tirei o atraso e levei, além deste, o “Jordan, The Comeback”, álbum vigente dos Sprouts. Foi pelas mãos de Maurilio que eu voltei pra casa naquele dia com meu troféu.

 

Ao lado de Maurilio Meirelles, existem e existirão vários nomes anônimos para a maioria, mas que sempre serão lembrados por sua importância decisiva na formação do nosso gosto musical – e por que não? – do nosso caráter.

 

Que ele descanse em paz e encontre todos os artistas e bandas que apresentou para seus clientes ao longo da vida. Se existe sentido nas coisas, é assim que deve ser.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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