Marvin Gaye – You’re The Man
Gênero: Soul, Funk
Duração: 69 min
Faixas: 10
Produção: Marvin Gaye
Gravadora: Motown
Certos artistas merecem respeito. Marvin Gaye, um decano do soul com o selo Motown de qualidade, responsável por inúmeras produções laureadas, dentro da história da música popular moderna, é uma dessas personas. Marvin é um gigante e, apesar do que contam, não morreu. Sua música permanece viva e cheia de facetas ainda pouco decifradas, o que acaba jogando contra este “You’re The Man”, que foi lançado como um “álbum perdido” do artista, incrustrado entre três colossos de sua carreira: “What’s Going On” (1971), “Trouble Man” (1972) e “Let’s Get It On” (1973).
Um aviso aos navegantes: este não é um álbum perdido. Tal produção artística – um disco com várias faixas -pressupõe um planejamento e um clima de trabalho que não é refletido nas faixas deste álbum. Gaye vinha de um trabalho divisor de águas, não só para sua carreira, mas para sua própria gravadora. “What’s Going On” tornou-se uma obra imortal e atemporal, emblemática tanto por sua carga lírica como por suas invenções musicais. Se o disco quebrava padrões de inocência do “Motown sound” (algo que já vinha sendo quebrado por outros artistas, especialmente por Norman Whitfield, produtor, com quem Marvin já havia colaborado), também ampliava as perspectivas do uso do estúdio, especialmente no que dizia respeito às cordas, que, diz a lenda, Gaye concebeu e passou para os regentes assoviando a melodia. “Trouble Man”, trilha sonora de um filme homônimo, sucessora de “What’s…” é um trabalho totalmente diferente e mergulhado no que entendemos por funk. As faixas de “You’re The Man” se comunicam muito mais com este parâmetro de comparação.
São 17 faixas ao todo, sendo que há alguns remixes próximos do sinal vermelho da irritação. Seu autor é o produtor americano Salaam Remi, acostumado a lidar com gente como Nas, Amy Winehouse e Fugees, ou seja, pouco ou nada a ver com Marvin Gaye e o que este representa. Suas intervenções inflacionam o resultado final e ninguém reclamaria se elas estivessem ausentes do álbum. Além disso, há dois singles interessantes e já conhecidos, de Natal, sobras de estúdio, rascunhos e takes alternativos (entre eles, da ótima “Where Are We Going?”, que entraria em “Let’s Get It On”. Sendo assim, ficamos com as canções que importam, no caso, a faixa-título e “The World Is Rated X”.
Ambas são ok. E só. Claro, é um privilégio ouvir a voz sacroprofana de Marvin Gaye em pleno 2019 em canções pouco conhecidas, mas a impressão de que estamos ouvindo gato por lebre quase impede a diversão. Gaye estava – como já dissemos – totalmente afeito ao formato funk/blaxploitation que daria em “Trouble Man” e mantinha suas opiniões políticas em detalhes – como a menção ao termo “Rated X”, não por conotação sexual, mas pelo mundo daquele tempo conter elementos que feriam susceptibilidades e violavam preceitos. Ou seja, um mundo indecente, imoral, impuro. Em termos musicais, é Gaye padrão do período, muitas guitarras em wah-wah, baterias sinuosas, baixos maravilhosos e o falsete que ele desenvolveu ouvindo Sam Cooke e Nat King Cole, não necessariamente nesta ordem.
“You’re The Man” é um item dispensável na discografia de Marvin Gaye, já que a maioria esmagadora de suas canções já foi ouvida em coletâneas e versões de luxo de discos já lançados. Não é um disco perdido, não é uma obra inacabada. É um punhado de gravações e rascunhos, engavetados e deixados de lado. Porém, diria o capitalista persuasivo, é um punhado de rascunhos e takes alternativos de … Marvin Gaye. E aí? Como faz?
Ouça primeiro: “You’re The Man”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.