Lucas Gonçalves – Se Chover

 

 

Gênero: Folk alternativo

 

Duração: 45 min.

Faixas: 11

Produção: Lucas Gonçalves

Gravadora: pequeno imprevisto/Tratore

 

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Lucas Gonçalves é vocalista e guitarrista da Vitreaux, também baixista da Maglore, e este belo “Se Chover” é sua estreia solo. Uma audição inicial e temos o referencial geográfico-emocional que Lucas usou para dar vazão às canções: a Minas Gerais musical do início dos anos 1970, povoada por uma ideia de vida mais simples em cidades menores, nas quais a gentileza e a proximidade entre as pessoas fazia a diferença. Tais signos culturais se mesclam a uma sonoridade bem característica, que está por todas as faixas do álbum. São memórias, poesias e luz ao longo das onze canções presentes. “Se Chover” carrega consigo aqueles pontos brilhantes que enxergamos quando abrimos os olhos para o Sol. Ou algo assim, alguma tradução em imagens e sentimentos que faça jus ao que ele colocou por aqui.

 

O disco é um convite a se deixar levar pela vida, pela música e pelas pequenas experiências diárias, sejam elas reais ou fruto dos nossos devaneios. As composições falam sobre o Lucas que se volta para suas vivências no sul de Minas Gerais, para a infância. Ele as vê com carinho e sorriso no rosto. São dias de sol, céu azul e da chuva que cai, deixando levantar o aroma inconfundível da terra molhada. As influências vão do primeiro Clube da Esquina, passando por alguns discos iniciais de Milton Nascimento e chegando gentilmente à discografia setentista de Lô Borges.

 

 

A faixa-título, que abre o disco, canta o “se” condicional tão presente na nossa existência. E se fosse diferente, e se não tivesse feito isso, e se não fizessem isso de mim… Além de condicional o “se” é algo sem respostas, é o que não dá pra prever nem mudar o já feito.

 

Dias de Sol

Noites de solidão

Se nublar

Tome essa blusa de frio

Nosso medo do tempo mudar se nublar

Eu passo pelo par que a gente foi

Quando havia pavio”

 

“Na bagagem”, é uma música ensolarada, com o ar da fumaça e o barulho do trem. A vida se insinuando sobre as pessoas, refletiva no ir, voltar, pegar o trem mais próximo para deixar um outro eu e deixar-se ir. É sobre os caminhos, medos, passeios pelo passado e a divisão de sonhos e de futuros. É uma música que estaria tranquilamente em um disco de Beto Guedes.

 

As faixas seguem uma linha bem definida, entre o folk e o violão de nylon e uma estética com influência das produções nacionais  setentistas. O mérito de Lucas neste trabalho é conseguir ser extremamente preciso na adição de elementos como flauta, piano, contrabaixo, violão, sem deixar resquícios de seus outros projetos neste álbum. É original e honesto consigo mesmo.

 

“Precisa algo acontecer” é sobre não ter medo de encarar os dias de tempestade e chuva. Algo precisa acontecer, não somos seres inertes e acomodados, ou somos? A vida é risco e coragem, sim, algo precisa acontecer já que não mensuramos o porvir. E mesmo sabendo que depois da chuva vem o sol, pois sempre vemos essa constante mudança, nada garante que será sempre assim.  “Sol e chuva”, quarta canção traz novamente os elementos da natureza como fonte para cantar as experiências do artista. O amor que resiste às tormentas, ao frio da chuva que cai a noite ou queima no calor do Sol de verão. Dizem que para ser amor tem que resistir.

 

 

“Basta” é a faixa com pianos, flautas e carrega um temática também politizada, digo também pois até então fora cantada a vida e o amor, que também são políticos. Aqui Lucas deixa um pouco a Minas Gerais imemorial e se sai com algo que lembra muito Ivan Lins. Mas a quinta faixa, liberada como single antes do disco,  carrega o tom da política feita pelos homens, pede um basta às sujeiras colocadas debaixo de tapetes, os acordos atrás das portas, sobre a força de encarar e fazer o diferente, mesmo que tudo nos faça pensar em desistir. E quando pensamos em desistir pensamos que ainda temos nós. E é neste fluxo de vida, memórias, amores e nostalgia que a faixa “Temos nós” empresta a esperança para a realidade. Para o bom e para o ruim: temos nós. “Temos tudo pra mudar em nós, só não temos tempo”, teríamos tudo para fugir das misérias existenciais, mas isso depende do quanto estamos disponíveis para viajar para o interior de si.

 

A vida é vivida de todos os jeitos, é o possível e o imprevisível é a graça de estar vivo, é o que dá sentido. “Prece” vem com essa energia de viver a fé e a festa. E por si só já é alegre, pois é estar, ser, respirar os detalhes, a prece que resta da pressa da vida. A esperança que resta do caos.

 

Dias de chuva nos trazem introspecção, organização do interno, uma volta para o eu, a chuva baixa a poeira dos furacões internos. “Baixa a poeira” vai encaminhando o fim do álbum com um convite a não fechar as janelas em dias de chuva, por medo de se molhar. É preciso molhar para baixar a poeira, pra acalmar.  “Se chover II” canta o esquecimento depois que a chuva lavou, carregou e a poeira assentou, o esquecimento dos amores vividos, mas só se chover. É o viver sem esperar muito, nem da chuva, nem do vento, nem de amores.

 

“O sol vai nascer outra vez” encerra com uma onda de esperança, o sinal de um amanhã, que mesmo imperfeito, é o que é possível. Deixar a água ir, lavar e levar o que não faz sentido na vida, para poder receber uma nova experiência, completando ciclos e abrindo outros.

 

No fim das contas, “Se Chover” se mostra um disco capaz de acenar para presente, passado e futuro de uma mesma maneira. É beleza em forma de canção, de proposta e de inspiração. É saudade do que se viveu, compreendendo que isso não é mais importante que os outros tempos, ainda que haja sempre uma condicional no meio do caminho, do título ou da frase. Um trabalho belo e íntegro.

 

Ouça primeiro “Se Chover”

 

Ariana de Oliveira

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.

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