“Longlegs – Vínculo Mortal”: mais hype ou mais susto?

 

 

 

 

Para o bem da ficção e para o mal da realidade, por trás de todo assassino em série existe uma mitologia. Michael Myers é o boogeyman, a forma indestrutível e, por isso, sobre-humana do puro mal cuja manifestação encarna os ideais brancos e burgueses da classe média estadunidense. Zodíaco e John Doe são homens inescrupulosos que muito bem representam a falência de três instituições basilares do tecido social: a imprensa, a política e a polícia. Patrick Bateman se encaixaria nessa mesma descrição, assim como outros milhares desses antagonistas, do slasher ao thriller criminal, que revelam seus próprios mitos e comunicam sobre um contexto maior.

 

Longlegs, último longa de Osgood Perkins, em contrapartida, mesmo envolto por sua própria mitologia, a destitui de força temática e vitalidade narrativa ao concentrar-se demais em sua estética. O empenho em construir a mise-en-scène perfeita sem um roteiro robusto e claro em ideias dilui até mesmo o entusiasmo pelas experimentações visuais de Perkins.

 

Prevalece, para o bem e para o mal, um incômodo. Isto é, de um lado, temos o jeito arredio, reservado e intuitivo da agente Lee Harker, brilhantemente interpretada por Maika Monroe, que personifica com primor a escuridão e o mistério da ambientação. De outro, temos um enredo que opera em múltiplas chaves narrativas – entre o thriller criminal e o terror psicológico com aspectos sobrenaturais – e, diante do destino confuso no qual todas culminam e do foco em consolidar o seu estilo sombrio e hermético, o filme aparenta caricato e inofensivo.

 

O papel do assassino Longlegs, por exemplo, encarnado por Nicholas Cage acaba abandonado, um potencial pouco explorado, com aparições inócuas e passivas, apesar do hype megalomaníaco sobre sua aparência perturbadora e macabra, alimentado pelas estratégias de divulgação do filme. A impressão é a de que, então, Lee Harker é nossa única e solitária protagonista, desvendando pontos sem nó e pistas codificadas deixadas pelo maníaco com quem possui uma ligação antiga e estranhamente paranormal.

 

É frustrante, porém, ver que, apesar da potência de Maika Monroe, sua personagem fique confinada às paredes da delegacia, aos seus olhares soturnos e sua relação desinteressante com os crimes que investiga. O que conecta Harker às vítimas? O que todos representam no quadro maior que quer pintar Oz Perkins? Pouco se sabe ao final, já que, determinado em fechar todas as inúmeras janelas abertas ao longo da trama, Osgood perde o ar aterrorizante que oxigenava o tom de seu filme, pesando a mão no apelo explicativo.

 

Diante, então, de uma exploração estética e visual atrativa, Longlegs é um filme com potencial, de um diretor interessado em construir sua voz no gênero e fazer parte de uma linhagem contemporânea encabeçada aparentemente por Hereditário, de Ari Aster. Versos da canção Get It On da banda T. Rex servem de epígrafe e um indicador da atmosfera melindrosa e, por vezes, incompatível do filme: obscura e gozadora. T. Rex, inclusive, é uma marca da trilha sonora e uma referência para Longlegs, um grande venerador não só do diabo, mas de uma boa banda de glam rock.

 

Por outro lado, diante de um enredo já nada original e que ainda busca saídas rápidas e clichês mais bem exploradas por suas claras referências, Longlegs é um filme costurado em cima de outras obras, como os assassinos dos longas de David Fincher e Jonathan Demme, e a magia negra e veneração satanista de obras como O Bebê de Rosemary e The Omen.

 

No fim, é um horror bem-intencionado, com enquadramentos, iluminação e cenários intrigantes, mas que, se tivesse confiado um pouco mais na própria imaginação e na sujeira e crueldade de seu vilão, faria da piscadela final de Longlegs um frio na espinha.

Luiza Zauza

Luiza Zauza é graduanda em Jornalismo. Sempre em busca de encaixar sua devoção por Jorge Ben Jor e Tim Maia em alguma conversa. Aliás, já que estamos aqui: Leia o Livro Universo em Desencanto.

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