Literatura: Por um 20 de novembro o ano inteiro

 

 

Palavra é poder, força. Calmante nas horas difíceis, aprendizado, escape.

 

Torna possível conhecer a História, sentir empatia pela vivência do próximo, aprender sobre as intempéries do mundo.

 

Ter consciência do que nos rodeia envolve conhecer o passado e respeitar o presente, e as palavras têm papel importante nessa caminhada.

 

Hoje, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, convido vocês a refletir e conhecer um pouco de algumas obras essenciais para que a gente encare o  mundo como ele é : um lugar habitado por pessoas que muitas vezes não entendem a dimensão do racismo e por outras que se desafiam a aprender, a mudar pensamentos e comportamentos em nome de uma sociedade mais respeitosa e empática.

 

 

Olhos d´ Água, Conceição Evaristo – Impossível não começar essa lista pelo livro que é voz das mulheres negras, da mãe no ônibus para o trabalho, da menina que não conhece o pai, da andarilha.

 

Cada conto dele se transforma em toque na alma, crueza na língua, explosão de sentidos, fins que surpreendem e doem. Conceição, indicada a Academia Brasileira de Letras, mineira, professora, é brasileira que nos ensina a ver o país pelos olhos de quem muitas vezes não é sequer visto como pessoa.

 

Nosso país precisa que a gente leia Conceição Evaristo.

 

 

Heróinas Brasileiras em 15 cordéis, Jarid Arraes– A escritora e cordelista cearense Jarid Arraes tem se dedicado ao estudo e produção de cordéis sobre mulheres negras notáveis e esquecidas pela História Brasileira. Nesse livro ela reuniu 15 deles em um trabalho caprichoso e forte, com narrativas sobre grandes nomes como Carolina Maria de Jesus, Dandara dos Palmares e Maria Firmina dos Reis.

 

Jovem e imenso talento, Jarid se descobriu de fato como escritora quando conheceu Conceição Evaristo: “Descobri-la me deu a confirmação que eu podia escrever, porque eu nunca tinha lido nada escrito por uma mulher negra, alguém que parecesse minimamente comigo”.

 

Representatividade importa.

 

 

Quem tem medo do feminismo negro, Djamila Ribeiro– O livro começa com uma paulada: o ensaio inédito que o inaugura é um relato sobre o que Djamila chama de “silenciamento”, o apagar da personalidade, que é uma das raízes que sustentam o preconceito.

 

Os outros textos, essenciais, são artigos publicados no blog da Carta Capital entre 2014 e 2017, e falam de um cotidiano de lutas diárias – sobre o preconceito contra as religiões de matizes africanas (as quais os textos da Djamila me ensinaram muito sobre), os ataques a mulheres famosas como Maju Coutinho e Serena Williams, cotas raciais e os limites do alcance das redes sociais. É um livro que inspira e faz pensar.

 

 

Quarto de despejo, Diário de uma favelada, Carolina Maria de Jesus– Moradora da favela do Canindé nos anos 50, Carolina, que sonhava ser escritora, teve seus escritos transformados nesse que é um dos livros mais importantes da literatura brasileira.

 

Verdadeiro relato da miséria dos que vivem todos os dias nos quartos de despejo do país é um livro que dói pela sabedoria da mulher não instruída, pelos seus sonhos e a percepção de que ninguém merece viver a margem da sociedade, como se pedindo desculpa por existir. Traduzido para treze idiomas, infelizmente ainda é muito atual. Queríamos nós que os apelos de Carolina por um país mais justo tivessem sido ouvidos.

 

 

 

Se a Rua Beale falasse, James Baldwin– No Harlem da década de 70, Tish, de 19 anos e Fonny, de 22 descobrem que vão ter um filho. Os planos de uma nova vida são interrompidos quando ele é acusado de estupro, embora não haja nenhuma prova contra ele. Tendo certeza da inocência de Fonny, Tish pede ajuda de sua família para tirá-lo da cadeia

 

Ao contar o que parece ser apenas uma história de amor cheia de obstáculos Baldwin destrincha uma época de incertezas e discriminação racial na sociedade em que ela é normalizada. Esse é o quinto livro de James, nome importante no movimento americano pelos direitos da população negra. Vale lembrar também dos seus colossais O quarto de Giovanni e Terra Estranha.

 

 

Eu sei porque o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou -As memórias da grande autora e poeta americana, uma das melhores amigas de James Baldwin, é um documento histórico sobre segregação racial, fé, abuso e superação, palavras que marcam a sua trajetória.

 

Quando criança ela encontrou na Literatura força para lidar com uma infância difícil e através das palavras se libertou das grades que a aprisionavam como mulher negra e rotulada. É um livro que nos atravessa sem pedir licença, tal como Mamãe, eu e Mamãe, sua última publicação na qual ela fala sobre sua relação com a mãe, Vivian Baxter

 

 

O olho mais azul, Tony Morrison– O primeiro romance de Toni Morrison conta a história de Pecola Breedlove, uma menina que sonha em ter olhos azuis e se encaixar no padrão de beleza da sociedade americana dos anos 1940, um mundo que não parece gostar dela.

 

Um tratado de reflexão sobre raça, crueldade e solidão esse livro se faz necessário nesses tempos onde todos os sentimentos mais conflitantes parecem ganhar força, pois não nos deixa esquecer como o ódio, o desprezo, a ignorância em relação a história de um povo endurece, sacrificam, matam, torturam uma sociedade inteira.

 

 

Há muito para ser lido e sentido, para que o dia 20 de novembro seja o ano inteiro, para que a literatura continue para todos nós bandeira de desconstrução, um jeito de nos armarmos contra a boçalidade, o julgamento, o preconceito. Para que sejamos mais conversa, menos bolso, mais compreensão, menos classe, mais gente, mais igualdade.

 

E aí, de que lado você vai ficar?

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

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