Gorillaz lança seu álbum mais focado em canções

 

 

 

 

Gorillaz – Cracker Island
37′, 10 faixas
(Parlophone)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Se observarmos com precisão, o Gorillaz é um grupo de singles. Ao longo de seus sete álbuns anteriores, Damon Albarn e seu time de colaboradores fixos e móveis, investiram mais em conceitos e mensagens multimídia – com ênfase na música, claro – deixando a importância da coesão e das boas canções sempre um centímetro atrás. Se isso não afetou completamente a banda, muito porque Albarn é um baita compositor, tornou o Gorillaz refém de uma postura de constante busca pela pós-modernidade a qualquer custo. Se isso foi bacana nos primeiros momentos, aos poucos foi cansando os ouvintes e tornando o grupo menos interessante do que poderia. Agora, com a chegada de “Cracker Island”, o Gorillaz faz aquele que é seu trabalho mais coeso e mais recheado de ótimas canções, investindo mais nas melodias e na ourivesaria musical do que em qualquer outra instância.

 

 

Claro, ainda assim, é um típico disco do Gorillaz, o que pressupõe um time de grandes participantes e o uso das figuras desenhadas há 22 anos – o tempo passa – por Jamie Howlett. Colaboram ao longo das dez faixas Beck, Stevie Nicks, Tame Impala, Thundercat, Bad Bunny, o rapper Bootie Brown (do grupo The Pharcyde) e o vocalista do The Humanz Coral, Adeleye Omotayo. Toda essa gente é encapsulada em pequenos mundos à parte, que coexistem no espaço que se cria a partir de um álbum do Gorillaz. Tudo pode, os limites são borrados e os temas são diversos, mas, novamente, a canção dá as cartas. O que paira no ar, além das colaborações e das faixas, é um certo “California State Of Mind”, uma vez que várias canções foram gravadas em estúdios de Los Angeles, além de o clima do conjunto de músicas conter aquela visão ensolarada, otimista e retrofuturista de que a Califórnia seria o futuro solar de todos nós.

 

 

A produção do álbum ficou a cargo de Greg Kurstin, o sujeito que já assinou trabalhos de Adele, Paul McCartney, Foo Fighters, entre outros, o que também sinaliza que Damon Albarn e seus primatas podem ter procurado fazer intencionalmente um disco mais pop e polido. De qualquer forma, seja por acaso, seja pensado, o resultado é, repito, um dos melhores da carreira do Gorillaz. Além das colaborações, três das canções mais legais de “Cracker Island” só contam com Albarn e a turma fixa do grupo: “Skinny Ape”, que foi lançada como o quarto single do disco, tem uma vibração folk psicodélica na base, mas evolui para algo mais eletrônico e pop na superfície, investindo em refrão e vocais alternados. “Tarantula” é uma incursão do Gorillaz no terreno da nu-disco music, com bastante êxito. O resultado é truncado intencionalmente, mas funciona. A outra canção individual é a bela “Baby Queen”, que foi lançada na versão 2023 do jogo Fifa, da EA Sports, e conta uma história real da princesa da Tailândia, fã do Blur – banda oficial de Damon Albarn – e sua ida a um show, em 1998.

 

 

Dentre as colaborações, vários momentos brilham. A presença de Stevie Nicks (Fleetwood Mac), dá ensejo a um arranjo aerodinâmico e pop rock oitentista na ótima “Oil”. Já o rapper porto-riquenho Bad Bunny surge em “Tormenta”, um proto-reggaeton solar e submerso nas águas claras e mornas de algum lugar paradisíaco. “New Gold”, com o Tame Impala e o rapper Bootie Brown também tem aerodinâmica dançante e alterna viagens psidocélicas de caixa de lápis de cor com grooves ritmados de proveta, funcionando muito bem. A faixa-título, com o baixão de Thundercat, tem mérito e distinção, mas poderia ser melhor produzida, sem, no entanto, comprometer no resultado. E Beck, ele mesmo, povoa de cores folks e psicodélicas a faixas de encerramento, “Possession Island”, que poderia, facilmente, estar num disco só seu.

 

 

“Cracker Island” é um disco bem legal, certamente o mais bem resolvido musicalmente a ser lançado pelo Gorillaz. Ele abre mão de perseguir a pós-modernidade a todo custo, abraça a melodia – sem ser nostálgico, note bem – e se firma como um ótimo trabalho para ser ouvido aos poucos e fornecer novas e inesperadas informações aos fãs. Belezura.

 

 

Ouça primeiro: “Oil”, “Baby Queen”, “New Gold”, “Tormenta”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *