Knebworth 1996: O Oasis no topo do mundo

 

 

Onde eu estava em 1996? É fácil responder. Procurando singles do Oasis nas poucas lojas do Rio que importavam este formato diretamente da Inglaterra. Na verdade, se a memória não me trai, apenas a valorosa Spider, que ficava numa galera em Ipanema, conseguia colocar em suas prateleiras os disputados CDzinhos com três, quatro faixas, que complementavam os – até então – dois álbuns do grupo: “Definitely Maybe” (1994) e “(What’s The Story) Morning Glory” (1995). Era um tempo bom, de entusiasmo com a música que era feita naquela época, fosse nos Estados Unidos, fosse na Inglaterra. E, bem, aqui no Brasil. Havia muita coisa bacana sendo gravada, o mês parecia durar décadas até a próxima Showbizz chegar às bancas, ou seja, um mundo totalmente diferente do que temos hoje diante de nossos olhos. E só assim, como um documento histórico, que “Knebworth 96” se sustenta hoje. E isso é bom.

 

 

Está disponível nos serviços de streaming o álbum duplo capturado a partir das duas performances do Oasis no festival de verão inglês daquele ano, que aconteceram em 10 e 11 de agosto. Sem qualquer dúvida, o grupo dos irmãos Noel e Liam Gallagher era o maior do mundo naquele momento. Não tinha pra ninguém, especialmente porque os caras não pareciam ser ruins em nenhum aspecto importante para o rock’n’roll. Bons de palco, encrenqueiros, com um pequeno gênio das composições – Noel – e um competente e peculiar vocalista – Liam -, além de um trio de coadjuvantes que apenas apareciam para mostrar quem estava tocando a outra guitarra, o baixo e a bateria, a saber, respectivamente, Paul “Bonehead” Arthurs, Paul McGuigan e Alan White. Quem respondia mesmo pela banda eram os Gallagher e ponto final.

 

Esqueça o termo “britpop”. É melhor chamar de “rock britânico dos anos 1990”, uma expressão mais interessante e abrangente. Nesta prateleira superlotada havia espaço tanto para gente como o Teenage Fanclub e o Ride, como para o próprio Oasis, o Blur e o nascente Radiohead. Todo mundo era britânico e fazia rock em suas variações e personificações. E neste contexto, Oasis e Blur davam as cartas quase como opostos pelo vértice. Enquanto os Gallagher e seus amigos eram sujeitos mais toscos e oriundos de uma cidade industrial como Manchester, o Blur vinha dos arredores de Londres, com caras que pareciam oriundos de escolas de arte, com ligações com moda, comportamento e tudo mais. Era uma questão de escolha, ou um ou outro. E se o Blur conseguiu chegar na frente do Oasis em 1995, quando seu single “Country House” superou “Wonderwall” nas vendas em sua semana de lançamento, o jogo estava muito mais favorável ao Oasis e tudo contribuía pra isso: desde o momento político – que marcava a ascensão de Tony Blair (responsável por levar o Partido Trabalhista de volta ao poder em 1997) ao maior interesse do Blur por influências do rock alternativo americano (que se materializaria no álbum homônimo, de 1997). E a Inglaterra, meio ferrada economicamente naquele meio de década e com a juventude sentindo na pele os problemas do país, estava muito mais pra crueza do Oasis.

 

O Knebworth de 1996 materializou essa tendência. O Oasis quebrou recorde de público nas suas apresentações e, apenas com dois discos lançados – e alguns singles – regeu essa massa de gente jovem em suas duas aparições no festival. É importante dizer que, para uma maioria esmagadora de pessoas, os shows dos Gallagher significaram sua primeira odisseia de perrengues para ver uma banda e nós, que já fizemos isso várias vezes na vida, sabemos muito bem o que significa tal movimento. Eu lembro tanto do primeiro show dos Paralamas que vi no Canecão, com 16 anos, perto de casa; da primeira apresentação de Paul McCartney no país, lá em 1990 e de ir ao show do Pearl Jam na Praça da Apoteose com minha ex-esposa e enteado e ver o quanto aquilo significava pra mim e pra eles. Então, o Knebworth 1996 foi o rito de passagem rock para uma multidão.

 

Além disso, deste valor pessoal-histórico, as apresentações do Oasis foram totalmente satisfatórias e inesquecíveis. A banda conseguia equilibrar canções pesadas e melodiosas em doses iguais, sem falar no talento muito grande para oferecer momentos mais lentos e contemplativos – sendo “Champagne Supernova”, épico de nove minutos, fechando o segundo disco, “Morning Glory”, a maior evidência disso. E tome hits caseiros como “Don’t Look Back In Anger”, “Live Forever” e “Supersonic”, lados-B de estimação como a cover de “I Am The Walrus” (assumindo seu amor pelos Beatles desde sempre) e maravilhas de repertório como “Aquiesce”, “Cast No Shadow” e “Whatever”. E tome também “Wonderwall”, que já era hit naquele tempo, acabou por tornar-se a primeira canção noventista a ultrapassar a marca do bilhão de audições no Spotify.

 

Olhar a História de trás para frente nos permite ver, de camarote, alguns fatos com mais clareza. Naquele momento, naquele lugar, com aquelas pessoas, nada e nem ninguém foi maior que o Oasis. Simples assim.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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