Astros sem noção da História

 

 

O fã de Pink Floyd foi pego de surpresa ontem à noite. Ficou disponível nos serviços de streaming e redes sociais uma “canção inédita” do “grupo”. As aspas têm razão de ser por vários motivos. Hey Hey Rise Up (feat. Andriy Khlyvnyuk of Boombox) tem, sim, a participação de David Gilmour e Nick Mason, dois integrantes da banda e detentores do direito de usar seu nome. O ex-baixista e vocalista Roger Waters, que deixou o Floyd em 1983, está ausente do projeto. A canção tem letra em ucraniano e vocais do músico Andryi Khlyvnyuk. Ele estava em turnê pelos Estados Unidos com sua banda, a Boombox, quando estourou a guerra na Ucrânia, e decidiu voltar. Alguns dias depois disso, o vídeo de Andrey cantando o hino patriótico “The Red Viburnum in the Meadow” em em frente à Catedral de Santa Sofia, em Kiev, viralizou e chegou aos ouvidos de Gilmour e Mason. O resultado veio na forma dessa gravação, que tornou-se o primeiro lançamento inédito do grupo desde 1994, quando gravou o último trabalho, “The Division Bell”.

 

E o resultado? Bem, a gravação com Khlyvnyuk e os dois ingleses contém o original em ucraniano e uma injeção de solos de guitarra de Gilmour, procurando oferecer um “típico momento floydiano” ao arranjo, com um resultado que beira o lamentável. A única virtude do lançamento é que a canção terá fundos revertidos para ajudar às vítimas da guerra na Ucrânia. Roger Waters, que tem uma carreira pautada pelo abraço franco a temas progressistas e engajados, não se manifestou e deve ter sentido certo desgosto em ver o nome de sua banda associado a algo desta natureza.

 

Outro que se manifestou sobre a guerra foi Sting, Há cerca de duas semanas, ele apareceu nas redes sociais e soltou um vídeo em que regrava “Russians”, canção composta em 1985 e incluída em sua estreia solo, “The Dream Of Blue Turtles”. O original foi lançado em meio a um contexto de Guerra Fria já em fase final, com a então URSS sem fôlego econômico para dar conta do recém-instalados neoliberalismo e consumismo. Sting fala no vídeo que nunca pensou ser necessário cantar “Russians” novamente, mas que a situação na Ucrânia o fez mudar de ideia e pensar num novo arranjo para a canção, que ressurgiu na forma de violão, voz e cello. Em comum com a versão de 1985, a visão ocidental do conflito, com opinião e noção erguidas a partir do que chega de informação pelos filtros da mídia hegemônica.

 

O terceiro astro engajado a se manifestar de forma “artística” foi Bono Vox, ao fazer um poema no dia de São Patrício, comparando o líder ucraniano Volodymyr Zelensky ao próprio santo católico, padroeiro da Irlanda, país natal de Bono e de seus companheiros de banda, o U2. Sua intenção pode ter sido boa, mas o resultado nas redes sociais foi lamentável, com várias pessoas – irlandeses, na maioria – pedindo para que não levassem a mensagem do vocalista a sério.

 

Estas manifestações têm em comum uma adesão apressada a um contexto que foi erguido através da divulgação das informações por esta mídia ocidental hegemônica. Não se trata de defender qualquer guerra ou qualquer forma de violência, mas é preciso perguntar os motivos que causaram a ausência completa de manifestações em conflitos anteriores, como os combates na própria Ucrânia, nas regiões de Donetsk, que clamou ser independente do governo central de Kiev. Ou de lugares como a Somália, a Nigéria ou a Palestina.

 

A iniciativa do Pink Floyd é a mais recente destes músicos que se engajam em questões políticas e sociais. Dessa vez, ao contrário de momentos como o Live Aid (e no Live 8, ocasiões em que a banda se reagrupou para ajudar a levantar fundos para as populações famintas na África), que contou também com as presenças de Bono e Sting, parece que estes sujeitos não se deram ao trabalho de questionar minimamente a situação da guerra. Seu engajamento, caso seja para chamar atenção para a miséria material que fica sempre que um conflito desta natureza tem lugar, é válida e bem-vinda. Do contrário, poucas vezes nossos engajados e conscientes pareceram tão vítimas da máquina de informação global. Só nos resta procurar as melhores fontes e entender os lados do conflito, as alegações e não comprar opiniões prontas.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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