Kenneth Branagh estraga outro livro de Agatha Christie

 

 

Eu lembro de começar a ver filmes na TV quando tinha meus oito, nove anos. Naquele tempo, a Globo tinha algumas sessões fixas: Primeira Exibição, Supercine, Coruja Colorida, entre outras. Era nelas que eu via as produções americanas e europeias dos anos 1970, para o bem e para o mal. Duas delas me despertaram curiosidade a ponto de ir atrás dos livros em que haviam se inspirado: “Assassinato no Expresso do Oriente” (1974) e “Morte No Nilo” (1979), ambas baseadas em romances de Agatha Christie. Por isso foi com entusiasmo que recebi a notícia de que Kenneth Branagh, um cara de quem gosto como ator e diretor, estaria desempenhando as duas funções em novas adaptações dos romances policiais da escritora inglesa. E que ele seria o carismático detetive belga Hercule Poirot. Se a nova versão de “Expresso do Oriente”, de 2017, era catastrófica, apesar da pompa e do elenco multiestelar, a releitura de “Morte No Nilo” (2022) beira o constrangimento total.

 

Tudo bem que é sempre legal apresentar para as novas gerações a obra de Agatha Christie e tal, mas, a julgar pelos longas de Branagh, o que é mistério e engenho nos livros, beira o melodrama vazio e involuntariamente humorístico nas adaptações cinematográficas. E Kenneth novamente contou com um elenco muito acima da média nesta nova empreitada como Poirot. Aliás, do mesmo jeito que mexera em elementos importantes de “Orient Express”, Branagh mete o mãozão na trama original, criando sub-temas e sub-arcos que são desnecessários e descaracterizam os originais desnecessariamente. A história é a mesma: o detetive belga Poirot está de férias no Egito e tromba com a comemoração do casamento de Linneth (Gal Gadot, péssima) e Simon Doyle (Armie Hammer, lamentável) e seu grupo de convidados, que também estão em viagem pelo país. Os dois se aproximam de Poirot pedindo proteção porque estão sendo ameaçados pela antiga namorada de Simon e ex-amiga de Linneth, Jackie (Emma Mackey, talvez a melhor coisa do filme). Em meio a muito constrangimento e situações em que esbanjamento de dinheiro, festas intermináveis e passeios em meio ao Egito colonial britânico, um crime é cometido e Poirot vai investigar e solucionar.

 

Tom Bateman, Annette Bening, Russell Brand, Ali Fazal, Dawn French, Rose Leslie, Sophie Okonedo, Jennifer Saunders e Letitia Wright, que estão no elenco, têm atuações caricatas que são tão ruins que não dá pra saber se são intencionais ou fruto de desorientação pelo roteiro de Michael Green, que escreveu também “Orient Express”, mas, por outro lado, tem méritos em seu passado, como ter assinado, por exemplo, “Logan”. A cenografia é fruto de 90% de efeitos especiais de baixo orçamento, o que possibilita a noção de que o elenco está contracenando com uma baita tela verde atrás. O que era psicologicamente intrincado e misterioso nos filmes setentistas e no livro, torna-se quase uma semi-comédia pastelão nas mãos de Branagh, que também tem méritos como diretor tendo assinado bons filmes como “Thor”, “Voltar A Morrer” e “Muito Barulho Por Nada” em sua carreira, além de estar indicado como ator e diretor para o Oscar deste ano, por seu longa autobiográfico, “Belfast”.

 

Se você nunca ouviu falar de Agatha Christie ou de seus livros, vá ver “Morte No Nilo” no cinema. Ele pode cumprir a função de te apresentar À obra da escritora e, caso você se interesse, irá mergulhar num mundo bem bacana, que retrata, além do mistério e dos assassinatos, as primeiras duas, três décadas do século 20, já no fim do período imperialista, mostrando a luxúria e o comportamento de elites e empregados em vários níveis. Porém, não espere ver sutilezas nos longas de Branagh. Aqui o negócio é rápido e bem rasteiro. Pena.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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