Jão é o maior popstar nacional da atualidade?

 

 

 

Jão – Super
42′, 14 faixas
(Universal)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Ao analisar um disco como “Super”, novo trabalho de Jão, é preciso pensar como um fã de música de hoje. Neste caso, o que se entende por pop começou, no máximo, há dez anos. Artistas como Beyoncé, Taylor Swift, Demi Lovato, The Weeknd e Billie Eilish são deuses inquestionáveis, acima do bem e do mal, e gente como Anitta e Luiza Sonza são parâmetros de música brasileira bem sucedida e viável. O que veio antes disso é uma brumosa terra de ninguém, tipo Zona Proibida de filme velho de ficção científica, na qual só os proscritos adentram e sabem de seus mistérios. O resto do povo vive do lado de cá, mesmo, imerso nos fluxos da existência em alta velocidade da nossa realidade. É aqui que Jão vive e se credencia para ser um dos popstars brasileiros mais bem sucedidos da atualidade. Seu novo álbum vem pra sacramentar isso.

 

 

“Super” tem tudo o que este fã de música, na faixa dos quatorze aos, vá lá, vinte e poucos anos, quer. Tem tristeza confessional, tem euforia turbinada, tem triunfo sobre adversidade, tem vingança, tem ressentimento, tem sexo e amor, ou seja, Jão oferece ao seu ouvinte uma versão controlada e lírica do que ele já experimenta na vida sentimental/existencial. E, ao fazer isso, gera identificação imediata. Sua postura dá conta de uma bissexualidade que abarca mais e mais gente, algo que Jão não esconde, pelo contrário. Suas letras são misteriosas o bastante para, além da identificação, gerar fascínio e desejo nos fãs, seja qual for a orientação sexual que tenham. E tudo isso soa bem natural e convincente, visto que o próprio João Vitor Romania Balbino, natural de Américo Brasiliense, interior de São Paulo, 28 anos de idade, não parece ter o que esconder.

 

 

Em “Super”, a sonoridade de Jão confirma um movimento iniciado no bom álbum anterior, “Pirata” (2021), o disco que deu o passo rumo a um mainstream ávido por um ídolo cheio de fluência como ele. Esta sonoridade veio evoluindo e se resume hoje a um pop que comporta levadas dançantes e animadas, mas também abre espaço para uma eletrônica light, com lampejos acústicos, meio trap, meio qualquer coisa, que sinaliza os momentos mais tristes e contemplativos, devidamente revestidos por letras confessionais. As quatorze faixas de “Super” soam como páginas de um diário que vem sendo escrito às claras desde 2016, quando a carreira musical de Jão se iniciou, e mostram alguém em processo contínuo de amadurecimento pessoal e artístico, o que também contruibui para a identificação com o público. Se há algo a ser criticado em “Super” é a produção – a cargo do próprio Jão e de Zebu – que oferece timbres e soluções rasas para os arranjos. Tudo soa mais ou menos igual e estéril, comprometendo o resultado das boas canções que estão presentes por aqui.

 

 

O single “Me Lambe” é um bom exemplo. Sua letra, abertamente sexual, é revestida por uma levada pop rock com ascendência oitentista, até mesmo pós-punk estilizada, mas que é prejudicada pela produção pouco esmerada. Mesmo assim, há achados líricos como “Amor próprio é bom mas o seu é mais”. Se houvesse uma preocupação maior com baixo e bateria, por exemplo, talvez o resultado fosse outro. “Escorpião”, que abre o disco, tem letra bombástica, que admite (e até celebra) a falta de empatia após o rompimento de uma relação: “Te quero bem é o caralho, eu vou acabar contigo, você vai lembrar de mim”. Aqui o arranjo joga a favor, com guitarras com ares country de vitrine e algo que remonta às origens interioranas do sujeito. Os mesmos timbres de seis cordas aparecem em “Julho”, que é uma balada existencial sobre saudade e os esforços que foram feitos para salvar um relacionamento que terminou (“julho é tudo o que a gente não vai ser”). “Maria”, com menos de dois minutos, também vai por este caminho voz/violão simples e baladeiro, enquanto “Locadora” também visita cenas de um relacionamento passado, descrevendo-o com paisagens comuns e afetivas, num exercício de simplicidade bem feito. Mas há o momento de catarse sob as luzes da pista de dança em “São Paulo, 2015”, no qual Jão fala sobre o que já passou para chegar até aqui. Em vários sentidos.

 

 

“Super” é um trabalho sob medida para um cenário em que Jão esgota 50 mil ingressos para um show no Allianz Parque em uma hora e precisa abrir uma data extra. Ele está no topo da forma, fazendo o que seu público espera dele, com talento e disposição. Já é uma realidade e seu trabalho é bom.

 

 

Ouça primeiro: “Me Lambe”, “Locadora”, “Julho”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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