Iraina Mancini – A mulher mais cool da Inglaterra

 

 

 

 

Iraina Mancini – Undo The Blue
35′, 10 faixas
(Needle Mythology)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

O nome não entrega a nacionalidade de Iraina Mancini. Poderia ser, por exemplo, uma cantora italiana obscura, com a carreira revisitada por alguma canção incluída numa série descolada qualquer. Mas não. Iraina Mancini é o nome daquela que achamos ser a mulher mais interessante da Inglaterra atualmente. Talentosa, descolada e linda, ela acaba de lançar seu primeiro disco – “Undo The Blue” – com uma receita quase infalível: a revisita vigorosa de sonoridades sessentistas com a visão e a malandragem extemporâneas, tudo devidamente empacotado numa embalagem audiovisual de primeira. Seria só isso se a moça não tivesse um ofício primordial: DJ. Ela percorre o país com apresentações que, com o tempo, a levaram para o exterior em palcos como Nova York e Paris e, diz ela em entrevistas, usou o DJing como um meio para apurar seu som, seu gosto e entender melhor o que o público quer ouvir. A julgar pelas dez faixas de “Undo The Blue”, Iraina chegou lá.

 

 

O clima do álbum é o retropop sessentista na veia. Não é apenas uma influência estética, é algo que Iraina incorporou e que levou adiante, como uma segunda pele. Suas aparições, figurinos e sonoridades têm relação intrínseca com a década de 1960 em sua essência mais chique. Não por acaso, quando faz suas aparições como DJ, ela tem o northern soul e o ye-ye como estilos principais. Ou seja, soul britânico essencial, temperado por reggae e ska, além de pop beatlemaníaco francês e canções agridoces de Françoise Hardy, tudo junto, ao mesmo tempo, agora. Esse bom gosto e a ocupação como DJ incorporam-se à figura de Iraina e contribuem demais para o resultado final. Além disso, a moça tem uma facilidade espantosa para compor melodias e escrever letra. Tudo o que se ouve em “Undo The Blue” saiu de sua mente. Ela tem a participação de outro DJ, Erroll Alkan, na produção e pilotagem do estúdio. E há também um fato curioso: Iraina é filha de um velho amigo de David Bowie, Warren Peace, que chegou a participar de vocais de apoio em discos como “Alladin Sane” e “Station To Station”. Diz a lenda que David serviu como babá da criança Iraina por várias vezes.

 

 

Desde 2018, Mancini vem preparando um álbum completo. Ela lançou vários singles ao longo desses seis anos, que serviram para maturar sua imagem, enquanto ela seguia como DJ. A pandemia adiou seus planos mas também deu-lhe tempo para concluir o processo de composição e burilar ainda mais suas influências e detalhes. Algumas dessas canções iniciais entraram no repertório do disco e fazem bonito em meio às novas criações da moça. Por exemplo, “Shotgun”, que está lá no meio do percurso musical, é uma sexy e borbulhante criação, que tem nossa heroína sussurrando em meio a uma levada de baixo e bateria, que vai crescendo e tomando corpo, assim como seus vocais vão se tornando mais e mais melódicos. O resultado explode num dos refrãos mais sexys do ano, com um arranjo que incorpora cordas, metais e teclados, além de citar Nancy Sinatra. coisa mais linda possível. Outra maravilha é “Do It (You Stole The Rhythm)”, que já vai mais pro lado psicodélico do fim dos anos 1960, devidamente arranjada e cheia de vocais de apoio, linhas de baixo luxuriantes e órgãos.

 

 

Este cuidado em recriar detalhes sutis nos arranjos é um dos grandes méritos maduros do álbum. Na faixa-título, Iraina se sai com uma pegada semelhante ao Lenny Kravitz revisionista do início dos anos 1990 e ergue uma melodia belíssima, com violões acústicos, baixo, bateria e vocais de apoio se dobrando para explodirem todos juntos num refrão apoteótico, com um belo resultado. “Deep End”, logo na abertura do álbum, tem o DNA do melhor do pop sessentista garageiro, devidamente aparado e adaptado para o clima proposto, mas não deixa de lado toda a sua aerodinâmica baixo-bateria e palminhas percussivas. A melhor canção presente por aqui é novíssima: “Sugar High”, uma balada que dilacera o mais duro dos corações, com uma forte base de samples – mostrando que Iraina não está no passado, mas brincando de ir e vir – e com um resultado harmônico dos mais sofisticados, chegando a lembrar cantoras cascudas do soul pop da virada dos anos 1960/70, como, por exemplo, Minnie Ripperton. Lindeza em grau máximo.

 

 

Seria incongruente dar uma nota máxima para um álbum apenas revisionista. O que leva “Undo The Blue” para outro patamar é o uso inteligente das referências, do clima, do pacote visual para criar música nova, de ótima qualidade, tudo para ser cantado e defendido por uma performer que já surge tão sensacional. Para as listas de melhores do ano.

 

 

Ouça primeiro: “Sugar High”, “Undo The Blue”, “Cannonball”, “Deep End”.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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