J.Mascis desafia o tempo em novo disco

 

 

 

J.Mascis – What We Do Now
44′, 10 faixas
(Sub Pop)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Não parece, mas a carreira de J.Mascis já beira os quarenta anos. Seja no Dinosaur Jr, a banda que formou em 1984 e que se destacou na cena alternativa de Boston e arredores, seja em trabalhos solo e projetos paralelos a partir dos anos 1990, Mascis é, provavelmente, o grande sobrevivente do que se chamava de rock alternativo de guitarras americano. Digo isso levando em conta, não só a longevidade da carreira, como a manutenção de uma identidade musical relevante e própria desde que iniciou os trabalhos. Mascis é arquiteto de um ataque trovejante de guitarras que devem em partes iguais ao Sonic Youth e a Neil Young, unindo-os de um jeito único e conseguindo, ao mesmo tempo, soar muito rock e muito punk. Com o Dinosaur Jr e as presenças de Lou Barlow e Peter “Murph” Murphy como parceiros, J assumiu uma posição privilegiada que o levou ao sucesso de público e crítica já na virada dos anos 1980/90. Agora, tanto tempo depois, tantas idas e tantas vindas, ele segue firme, lançando este belo “What We Do Now”, seu quinto trabalho solo.

 

Em entrevista recente ao jornal inglês The Guardian, Mascis disse que ainda tem vontade de gravar discos – solo e com a banda – mas desenvolveu uma sensação estranha ao longo do processo, que é não saber ao certo se as pessoas se interessarão em ouvir o que ele tem a dizer. É compreensível. J, 58 anos, é um cara que ainda faz o que costumava fazer como jovem. Acorda tarde, anda de bicicleta e passa a maior parte do tempo em seu pequeno estúdio particular, atracado com guitarras e bateria. Lá, neste mundo privado e à parte, tem lugar seguro para sua persona criativa sair e passear, levando adiante o grande produto sonoro que ele criou – um folk rock punk, marcado por sua inconfundível guitarra, que é melódica, pesada e lírica, tudo ao mesmo tempo, além de seus vocais sentimentais e intensos, que parecem beneficiados pela ação gentil do passar dos anos.

 

Este “What We Do Now” foi gravado totalmente por Mascis, que também produziu e fez as vezes de engenheiro de som. São dez canções que falam sobre amor, dúvida e incapacidade de prever o futuro, tamanha a confusão do presente. A princípio, nada há de novidade por aqui. Para fãs de longa data, há surpresas. Nunca J soou tão “bandesco” num álbum solo. O som que temos é muito mais próximo do que o próprio Dino Jr faz desde que retomou suas atividades em meados dos anos 2000, do que as apresentações voz/violão que J fazia há tempos atrás. Isso dá uma sensação interessante de “meio do caminho” entre a banda e os outros trabalhos, que é devidamente acentuada pela lindeza dos solos de guitarra e pelas levadas nervosas de bateria, dando sempre a certeza de que este é um som 100% humano, sem tempo para emulações e eletronicices.

 

O álbum não tem nem um segundo desperdiçado. É tudo belo, acolhedor e familiar, seja para fãs dedicados, seja para curiosos interessados no rock dos anos 1990 e além. Mas há pontos altos em vários momentos. Quando a guitarra irrompe aos 2:21 minutos de “Right Behind You”, é inevitável sorrir de satisafação e ter a sensação de que “ora, bolas, nem tudo se perdeu”. Pode parecer nostálgico ou conservador, mas garanto que não é. “Set Me Down” é uma surpresinha – tem um andamento pop soul por baixo do arranjo de voz, violões e guitarras, revelando um raríssimo momento de vulnerabilidade da alma rocker de Mascis, se é que ele tem algo assim. “Can’t Believe You’re Here”, que tem a adição leve camada de pianos, é outra lindeza encantadora, capaz de fazer esquecer o fim do mês.

 

No fim das contas, “What We Do Now” é uma lindeza de álbum, um momento de paz para guardar e cultivar entre os seus sons preferidos. Em meio a tanta poluição auricular que insistem em nos impor, este disco é um antídoto e tanto. Ame.

 

 

Ouça primeiro: “Right Behind You”, “Can’t Believe You’re Here”, “Set Me Down”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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