Soundgarden – Live From The Artists Den

 

No dia 17 de fevereiro de 2013, o Soundgarden encerrava sua turnê de inverno com um show no Wiltern Theatre, em Los Angeles. Este espetáculo foi escolhido pela banda e pelo canal PBS para participar da série de programas “Live At Artists Den”. Talvez pelo tamanho do espaço, no qual cerca de 1800 fãs do grupo de Seattle se acotovelaram para ve uma performance mais intimista. Quando a gente pensa neste termo – intimista – logo somos levados a crer em sujeitos de meia idade sentados em banquinhos e tocando instrumentos acústicos, certo? Pois o termo significa outra coisa para a banda: uma porradaria ainda mais intensa e direta, atingindo os presentes em cheio. Esta apresentação ganhou um status místico ao longo do tempo porque o programa não foi exibido e só algumas poucas filmagens amadoras da plateia surgiram nas redes sociais. A banda, que comemora seus 35 anos de carreira, resolveu lançar o show em DVD/Blu-Ray e versões híbridas com CD. Mas não é só isso.

 

Como um presente para os fãs, os remanescentes do Soundgarden e o espólio do vocalista Chris Cornell, falecido em 2017, acertaram a exibição do show em várias salas IMAX ao redor do mundo. A data escolhida foi o dia 01 de julho de 2019, ou seja, ontem. Sendo assim, cinemas da Índia à Argentina, da Áustria à Malásia, passando pelo Brasil, se uniram numa ação conjunta, exibindo a íntegra da apresentação de 2013, com todas as características das salas IMAX, ou seja, tela imensa, som a laser com alto-falantes alinhados com a intenção de proporcionar o máximo possível em realismo. E, meus caros e caras, quando a banda surge da escuridão no Wiltern para os primeiros acordes de “Incessant Mace”, a certeza que temos é de que, sim, estamos o mais perto possível da experiência ao vivo. No caso do Brasil, a rede UCI responsabilizou-se pela apresentação da apresentação.

 

O show é impressionante de tão bem filmado. São doze câmeras posicionadas em gruas e operadas no peito e na raça, levando o espectador para o meio da plateia ou para o meio do palco, em questão de segundos, passando a visão do público, em diversas partes do lugar, e dos músicos que, de fato, ficam cara a cara com a galera. Chris Cornell fala várias vezes em canções especiais presentes no setlist daquela noite – de “Blind Dogs”, que eles nunca tocaram ao vivo, a “New Damage”, faixa que encerra o ótimo álbum “Badmotorfinger”, de 1991, que, segundo Cornell, “não é tocada há uma porrada de tempo pela banda”. Ao lado delas, um monte de canções do último disco do grupo, “King Animal”, lançado em novembro de 2012, marcando o reencontro do grupo em estúdio, algo que não acontecia desde 1996, quando lançaram “Down On The Upside”. O lineup é o mais clássico possível: além de Cornell nos vocais e guitarra base, temos o misterioso Kim Thayill nas guitarras, o sensacional Ben Shepherd no baixo e o impressionante Matt Cameron na bateria, mostrando que as composições do Soundgarden lhe exigiam muito mais técnica e versatilidade que as do Pearl Jam.

 

Aliás, aqui cabe uma reflexão sobre Seattle e suas bandas noventistas. Se olharmos rapidamente para o quarteto mágico de grupos que saíram de lá – Nirvana, Alice In Chains, Pearl Jam e Soundgarden – veremos que os vocalistas de três delas já não estão mais entre nós. Mesmo que o Alice tenha retomado a carreira recentemente, apenas o Pearl Jam permanece atuante, justo a banda menos tributária desta sonoridade híbrida de punk e heavy metal que surgiu ainda nos anos 1980 e foi burilada até chegar em discos como o já citado “Badmotorfinger”, “Facelift”, “Nevermind” e “Ten”. Quem levou esta mistura ao ponto de bala foi, justamente, o Soundgarden, que já batalhava nos buracos chuvosos da cidade antes de todos os outros grupos se formarem, na virada dos 1980 para o início dos anos 1990.

 

Esta apresentação de 2013 mostra o quanto a sonoridade do Soundgarden evoluiu para algo muito próprio. As canções não têm espaço para baladas ou climas mais calmos, mesmo nas partes menos pesadas, há tensão e a expectativa de que algo, logo, irá explodir em várias direções. É assim com canções obscuras como “Taree”, do último disco, como com “Spoonman”, um dos singles de “Badmotorfinger”. Também é com outras porradarias insanas como “Jesus Christ Pose”, “Ty Cobb”, “Rusty Cage”, “My Wave” e hits do calibre de “Fell On Black Days” e “Black Hole Sun”, o máximo que a banda chegou em termos de pop songs para as massas. O melhor momento de todo show deve ser em “Outshined” – uma das minhas preferidas do repertório do Soundgarden e de todos os anos 1990 – que é cantada em peso pelo público e tem o melhor verso do rock americano daquela década – “I’m looking California but feeling Minessota”. No fim, uma única reclamação: minha preferida DE TODO O REPERTÓRIO DA BANDA, “The Day I Tried To Live”, não foi tocada. É mole?

 

Este “Live At Artists Den” é impressionante, não só pelo caráter comemorativo do seu lançamento tardio, mas pela performance em si, que é arrebatadora. Banda e público tornados um só, um repertório generoso e quatro caras com o mesmo propósito: derrubar tudo. Um presente para qualquer interessado na música dos anos 1990 e de sempre.

 

Em tempo: é difícil acreditar que Cornell já não está mais entre nós. Sua performance é arrebatadora e o instinto nos leva a procurar notícias sobre o que o grupo está fazendo agora, quais os planos de novos shows e tal.

 

 

Setlist.

INCESSANT MACE
MY WAVE
BEEN AWAY TOO LONG
WORSE DREAMS
JESUS CHRIST POSE
FLOWER
TAREE
SPOONMAN
BY CROOKED STEPS
BLIND DOGS
ROWING
NON-STATE ACTOR
DRAWING FLIES
HUNTED DOWN
BLACK SATURDAY
BONES OF BIRDS
BLOW UP THE OUTSIDE WORLD
FELL ON BLACK DAYS
BURDEN IN MY HAND
A THOUSAND DAYS BEFORE
BLOOD ON THE VALLEY FLOOR
RUSTY CAGE
NEW DAMAGE
4TH OF JULY

OUTSHINED
BLACK HOLE SUN
TY COBB
SLAVES & BULLDOZERS
FEEDBACCHANAL

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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