Gabriela Lery – Arquipélago

 

 

Gênero: Alternativo

Duração: 33 min
Faixas: 10
Produção:  Gabriela Lery, Carlos Ferreira, Fu_k The Zeitgeist
Gravadora: Independente/Tratore

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Isolados, únicos e infinitos ao mesmo tempo, quem nunca pensou “minha vida daria um livro”? De comédia, drama, suspense, com direito a pitadas de terror (vejamos a atual situação que vivemos), quem nunca pensou que faz parte de um grande livro, nem que seja um capítulo? De Porto Alegre e selecionada pelo edital FAC Digital, Gabriela Lery lança o álbum “Arquipélago”, antes disso, ela já havia lançado o EP “Coleção”, com quatro faixas. Neste disco cheio, a cantautora, instrumentista e bacharel em Música pela UFRGS vem trazer essa ideia da ilha subjetiva de cada um e o todo que nos une, faz parte, afeta e é afetado.

 

É uma bela junção de elementos, poesias, reflexões, tudo que permeia o espírito humano. “Para se acostumar” abre o disco com uma melodia suave acompanhada da voz de Gabriela dá a direção da música. A gente se acostuma com tudo, com os silêncios e angústias, a gente foi feito pra isso, pra se acostumar e transformar até aquilo que nos é impossível, em mais um costume: acostumar em não ter. É aquela coisa do “Sempre foi assim” ou “Não há nada que eu possa fazer”. Mesmo com a delicadeza instrumental, essa faixa vem mexer com as nossas inércias.

 

Já a segunda faixa vem no melhor estilo de Letrux, vem embalada naquele clima de pista depressiva. “Hipnagogia” joga o passar do tempo, a espera daquele que vê a distância e deseja… e quanto tempo a gente aguenta a espera? Quantos dias a gente sonha e quantos vivemos a crueza do real? É uma faixa quente, bem produzida, cheia de climas como é a experiência humana e a voz de Gabriela carrega a gente a dimensão onírica.

 

Uma das coisas mais legais que vejo em alguém que grava um disco em casa é a capacidade de imprimir carinho e cuidado no trabalho e isso encontrei nas dez faixas de Arquipélago. Das melodias às poesias, tudo tão bonito, tocante e detalhado, é um disco pra mergulhar e saber que tem terra à vista. A artista usou esse conceito de ilhas e arquipélagos, das partes e do todo para presentear os ouvintes com um site em que todas as faixas são disponibilizadas para quem quiser baixar e interagir com as gravações. Além disso, ela lança 10 episódios de um podcast sobre a produção das faixas. É presente, recebam!

 

“Quem te colocou ai?” tem fortes versos e cola muito bem com o cantar seguro e lindo da artista. A música conta com a voz de Sara Nina e é a faixa mais roqueira do disco e lembrou o melhor de Pitty e sim, tem algo de Alabama Shakes também.

“Quem te colocou ai, nao gosta de mim nem de si
Quem te colocou ai, devia te implorar para sair
E a historia se repete, isso já foi contado tantas vezes
Eles investem na sua ignorância
Lucrando apenas com a sua ganância
Um dedo no gatilho e outro na ferida.”

 

Rita Zart participa da faixa “Vaza” e é uma delícia de ouvir e cantar ao som de um baixo bem marcado. “Vaza” canta os jogos de amor e de conquista.

“Materializa todos meus vícios
Estende a cama para eu me jogar
Te fantasia de tudo que eu quero
Num tranco eu sopro, tento te apagar”

 

Desejo, projeção, expectativa e decepção. Eu me encanto com esse tipo de poesia, aquela da tristeza, mas sem ser melancólica ou açucarada, mas viva, pulsante. Gosto mais do que é ácido, e “Vaza” tem isso. Não tem como fugir das temáticas universais, sobretudo neste período em que estamos voltados ao nosso interior. A angústia do isolamento, o enfrentamento dos monstros internos, a dor do coração partido pelas partidas.

 

Pensando neste sentido, Arquipélago é um disco coeso ao trabalhar o instrumental que transita entre peso e delicadeza sem se perder em partes isoladas. Todas faixas estão ligadas entre si envolvidas em um sentimento de quem tá refletindo o seu tempo presente, dando conta das batidas do relógio e da imaginação do que está ali na frente. Esse é um dos méritos da produção deste disco, conduz diferentes elementos, instrumentos e detalhes que se encaixam bem com as letras.

 

“Maré” tem disso, começa como quem não quer nada e vai nos encaminhando ao peso do que nos mantêm estáticos, o que não nos deixa mergulhar em grandes aventuras, em viver uma amor de uma noite. Como pode colocarmos pesos em nossas costas e absorver tamanha culpa e arrependimentos? Como se tudo isso fosse controlável, como se o caos não fosse o imperador da vida como se alguém pudesse conter a força da maré, que invade e carrega, deixando apenas o que quer.

 

E quem diria que o tempo passaria assim? Penúltima faixa “Quem diria” canta sobre o passar do tempo, a memória perdida na foto colocada na lixeira do celular, os cabelos brancos que brotam ao longo dos dias. Só mais um dia e como chegamos à distância que envolve desamor? “Pedaço de céu” encerra o trabalho de Gabriela Lery com um clima intimista. O mesmo que o céu cubra todos seja noite ou dia, cada um vê e percebe um pedaço desse todo. É um belo disco de estreia, tem temas atemporais, produção detalhada e com muito carinho. Vale a pena do início ao fim e já espero essa beleza e carinho nos trabalhos que virão por ai. Olha eu criando expectativa.

 

Ouça primeiro: “Quem te colocou ai?” e “Quem diria”

 

Ariana de Oliveira

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *