Foquinha e Blogueirinha contra King Crimson

 

 

Depois da cobertura do Rock In Rio, colocando o ritmo de trabalho em dia, é hora de retomar a rotina normal. Não sei se vocês têm noção do quanto é necessário de tempo e esforço pra ir até a Cidade do Rock. Horas em transporte público, léguas percorridas lá dentro, além do vai-e-vem entre os palcos e a Sala de Imprensa. Não reclamo, pelo contrário. Já estamos com o fluxo diário de textos restabelecido e tudo vai bem. Agora estou revendo alguns shows pela transmissão do Multishow, algo semelhante a ver um compacto da transmissão de um jogo de futebol que vimos no estádio. As emoções são distintas, logo, vale muito ver como esse ou aquele show foi veiculado para quem não estava lá. Vi com minha esposa, que é baterista, o show do King Crimson, o meu preferido do Festival e que a encantou totalmente, visto que já conhecia a banda mas não esperava a presença do trio de bateristas, uma das marcas registradas da apresentação de Robert Fripp e sua turma.

 

Apesar do espetáculo único, algo histórico, que entrou para a galeria dos mais intensos shows existentes na galeria do Rock In Rio – ao lado de Stevie Wonder em 2011, Bruce Springsteen em 2013, Queen em 1985, Neil Youn em 2001, a aparição do King Crimson em 2019 é, como eu disse no texto que resenhava o show, uma falha na Matrix. Em meio a tantas atrações escolhidas por demanda popular – algo justo – a presença do indelével combo progressivo de Robert Fripp e companhia, é algo a ser lembrado por muitos e muitos anos. Pois então, vendo a transmissão ontem, devidamente gravada, me senti muito desconfortável com as constantes inserções, no estilo Picture in Picture, das outras atrações do Multishow, que rolavam simultaneamente. A mais anunciada foi uma live que acontecia no Facebook – ou no Youtube, sei lá – na qual uma certa Blogueirinha “lavava a roupa suja” com pessoas com os nomes de Foquinha e outros. Era tragicômico ver tal anúncio em meio a execuções perfeitas de “Epitaph” ou “Indisciplines”. E tal fato me fez pensar em alguns aspectos.

 

Não lembro de quem foi a ideia de associar música a humor. Não que a transmissão do Multishow deva ser feita por acadêmicos vetustos, numa mesa redonda, tecendo ponderações técnicas sobre o desempenho dos músicos, ou ainda, por jornalistas metidos a espertos, contando causos e enchendo o saco, mas, pelo amor de Jah, é preciso pensar que nem todo mundo está a fim de saber de lives e lavações de roupa suja durante o show de sua banda preferida. E mais: não é uma mera contingência mercadológica a gente ter que aturar tal intromissão durante um show transmitido. E isso não se aplica apenas ao King Crimson, patrimônio de uma multidão de “tiozões” presentes ao festival, mas a qualquer show, de Ivete Sangalo a Pink, passando por seja lá quem mais for. É uma intromissão, um preço caro a pagar por um monopólio sendo exercido. É a mesma coisa que as transmissões da Globo – mãe do Multishow – fazem: submetem o pobre fã de futebol aos detalhes de suas novelas, enquanto a partida come solta.

 

No caso do Rock In Rio, confesso que isso me incomoda mais. Não vou cobrar um conhecimento enciclopédico dos apresentadores do Multishow, mas a audiência deveria cobrar foco. Não são apresentações quaisquer, oras. Não é um show do Jota Quest no Planeta Atlântida ou do Capital Inicial em alguma feira agropecuária. É o Weezer, vindo pela primeira vez ao festival. É o King Crimson, pela primeira – e provavelmente última – vez no Rio de Janeiro. E, no passado, o Bruce, o Stevie Wonder, o Neil Young…

 

Sabemos que o modelo de apresentador e repórter desses eventos foi moldado pela MTV ao longo de sua existência. Em poucos anos, a figura do VJ era o padrão de todas as apresentações feitas por todos os canais. Nada errado nisso, oras. Como eu disse, música popular pede esperteza, simpatia e comunicação com o público. Mas é legal também a gente confiar no apresentador, saber que ele vai dizer o que deve ser dito, mesmo que vá nos orientar a procurar discos mais importantes ou contar algo relevante sobre quem está no palco, certo? Que ele nos transmita conhecimento, mesmo que em doses mínimas. E no Multishow, tal carga foi depositada nos ombros de Rodrigo Pinto, que, em alguns momentos, parecia agir como se fosse um Claude Levy-Strauss, com conhecimento – suposto – abrangendo a carreira de Pink e de quem mais viesse. Ou, no caso específico das bandas de heavy metal, com a presença de Jimmy London, ex-Matanza, com ar malandrão e se mostrando companheirão de bandas como Scorpions. Sério, gente, parem.

 

Seria aceitável se o problema fosse apenas esse. Porém, de 2015 pra cá, o Multishow resolveu inserir atores, youtubers e comediantes no meio das transmissões, nas funções de repórteres e anfitriões de algumas atrações, como a tal live da Blogueirinha, Foquinha e Bichinho que surgiu no meio da transmissão do King Crimson. Como se o Rock In Rio fosse mais um cenário em que estes personagens estivessem “causando”, “criando confusão” e, literalmente, “lavando roupa suja”. Não dá, né?

 

Pra fazer esse tipo de cobertura é preciso estudo e respeito com o artista e o público. Pena que isso parece muito difícil. Mesmo que haja gente competente e engajada nas fileiras do time do Multishow, a imagem da transmissão que o canal oferece do Rock In Rio é arranhada quando a submetemos a quem realmente entende de música e espera uma troca justa quando está vendo o show de sua banda preferida.

 

Ver o King Crimson com três baterias e Robert Fripp, o homem que tem um passado marcante no rock e na música do século 20, entremeados com a live da Foquinha e da Blogueirinha, com o Zezinho e o Escambauzinho a Quatro, me irritou sobremaneira.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Foquinha e Blogueirinha contra King Crimson

  • 10 de outubro de 2019 em 10:35
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    Pensei em todos estes momentos….: Bem feito para minha cara, que reclamava do Kubrusly, do Motta e depois do filho da Elis.
    Mas achei o equívoco maior “desligarem” o Canal Bis da transmissão. Com nove palcos para cobrir, o “segundo” canal de música só transmitiu aquele “palco” com aquela música (?) enjoada bate-estaca. Desperdício!

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